'ONDE SERÁ QUE ELA FOI PARAR'' ?

  Abriram-se os portões. Os cabrestrantes já funcionavam. Os passageiros tornaram-se mais numerosos no tombadilho e alguns, apesar da pouca luz obstinavam-se em fotografar. As lanchas da Imigração abordaram o navio , com os rebocadores, e simultaneamete serviu-se o café da manhã.  Winner agora, perplexo, se perguntava qual tinha sido a última vez que ele vira ela ? Foi o que ele teve dificuldade de recordar. Desceu para tomar café. Pessoas a quem mal a conhecia apertavam-lhe a mão.  A certa altura, no convés, houve uma agitação. Informou-se então tratarem de jornalistas que, desesperados, procuravam por todo o navio um ministro  europeu e uma estrela de cinema. Um detalhe divertia Winner, naquele momento. Um dos repórteres, com quem examinava com o comissário de bordo a lista dos passageiros, disse para Winner: ---- Ora ora, este aqui tem até mesmo o nome do famoso Bruce Winner, de ''O IMPOSTOR '' (.) -----, recordação, presença ou projeto. .. Onde estaria ela naquele momento ?, o navio, arrastado por dois rebocadores, adiantava-se para a Estátua da Liberdade, que os passageiros debruçados na amurada admiravam.  Pequenas embarcações escuras, cheias de gente, como vagões de metrô , passavam constantemente junto ao navio; eram os moradores de Jersey City ou Hoboken que chegavam na cidade para trabalhar. ----- Venha por aqui, por favor, Mr. Winner (.) -----, disseram. O navio estava atracado no cais das French Line e os passageiros desciam a rampa em fila, para buscarem as bagagens na alfândega.  ''ONDE ESTÁ ELA ?'', Winner se perguntava.  Procurou-a intensamente por todo o navio. Depois, teve que descer porque voltaram a chamá-lo. Pensou então consigo mesmo que a encontraria lá embaixo, diante das bagagens. Mas não havia nenhum drama no ar, nenhum nervosismo. Winner sentia-se ligeiramente mais pesado, denso,  abatido por lacunas vagas no seu pensamento que o deixavam perplexo.  Sentia-se deslocado, olhando para Manhattan. Como tinha horror às multidões !, e às formalidades, e mal compreendia quando lhe falavam em linguagem jurídica.  Seu humor não era dos melhores, quando entrou num táxi amarelo, se perguntando :  ''quem poderia ter vindo buscá-la (?) Ninguém fora prevenido da chegada dela, até onde ele sabia (?) Mas até onde Winner sabia (?)  ''.  Winner não era um filósofo. ''Filósofos '' ,ele pensava ''são déspotas que não dispõem de nenhum exército, por isso submetem o mundo  todo encerrando-o num sistema. Provavelmente por isso, no tempo dos tiranos houveram grandes filósofos, enquanto nos tempos de maior ''civilização'' , de maiores avanços ''democráticos '', não se consegue produzir nenhum filosofia convincente ; pelo menos é o que se pode deduzir, numa visão panorâmica da atualidade global.  Hoje se fala tanto em filosofia (acendeu o cigarro, pagou o táxi ) e ao mesmo tempo a desconfiança intelectual nunca foi maior.  Simplesmente não se considera mais isso possível: filosofar. E Winer não estava livre disso. Não sabia nem quanto dar de gorjeta para o taxista. ----- Pierre Hotel (.) ---, repetia , sem prestar atenção ao taxista durante o percurso, como se estivesse com medo de esquecer para onde ia. ----- Não é o Saint-Régis, é o Pierre (.) ----, era completamente absurdo ouvi-lo falando com aquela voz. Chovia. Winner atravessou um bairro sujo, de casas feias  a ponto de dar náuseas.  ''É ISSO Nova York (?) '', ele se perguntava no caminho.... DEZ DIAS... HÁ EXATAMENTE NOVE DIAS WINNER ESTA INSTALADO, AGORA, EM SEU LUGAR MAIS CONHECIDO NA CIDADE : O CAFÉ BLANC. Chovia tbm , aliás ---- exato : chovia tanto nas margens do Loire, há um mês, quanto na América. Chovia no mundo inteiro. Eram cinco horas da tarde. Winner jogava gamão contra si mesmo no quarto. Que quarto ?  Ele não gozava de nenhuma aposentadoria, e de nenhuma moradia fantástica carinhosamente planejada  . De vez em quando, quando ele saía para comprar cigarros, algum idiota perguntava com um sorrisinho que o enfurecia : ----- Saudade de Nova York, Winner (?) -----, saudade dos vastos corredores gelados da Polícia e do FBI, das infindáveis investigações que acompanhava , dos dias e noites passadas na perseguição do crime organizado.... dentro de uma semana, como não acontecesse nada, Winner voltou a se perguntar : ''ONDE SERÁ QUE ELA FOI PARAR''. Mas foi um processo lento, até Winner recuperar toda a potência de suas faculdades dedutivas e indutivas, e recomeçar a se fazer a PERGUNTA... ele nem sequer vinha lendo os jornais. SENAS !, os dados rolaram. JOGADA DUPLA.

K.M.