quinta-feira, 11 de maio de 2017
'' Laissez tomber... ''
A tempestade persistira até o dia seguinte, e agora parecia estar no auge. Mathieu conduzia a operação mascando chiclete com energia, sem parar, enquanto Winner e o Capitão Reddington, que conservou-se à paisana, observavam Mac Donald conversando ao celular, a alguns passos de distância. Mathieu dirigia-se às pessoas, agentes alfandegários, camareiras, empregados da companhia, com igual familiaridade e rapidez, sentando-se no canto da mesa, pronunciando algumas frases ora em tom arrastado, orade forma aparentemente atropelada, como dialeto de gangue. Embora Winner não entendesse tudo que Mathieu dizia, entendia o bastante para constatar que o homem trabalhava bem, realmente, como Mac Donald dissera, um profissional duro e direto. Primeiro a alfândega. A bagagem de Albertine Rivibelle fora retirada... mas a que horas?? Folhearam todas fichas.. pouco antes do ... pôr do sol. Não, não fora enviada para a cidade pelas companhias encarregadas desse tipo de transporte , e cujos escritórios se encontravam no prédio.. Fora, portanto, levada de táxi , ou num carro particular. A pessoa que retirara a bagagem possuía as chaves.. Fora Albertine em pessoa ? Impossível saber . Várias centenas de passageiros haviam passado por ali naquela semana, sem contar as pessoas que estavam retirando as bagagens de outros. Em seguida, Winner procurara o comissário de bordo. Fora uma sensação estranha entrar à bordo de um navio deserto , encontrá-lo despovoado depois de tê-lo conhecido em plena efervescência turística, assistir à limpeza geral e aos preparativos para uma nova travessia.
Albertine desembarcara,sem dúvida., e entregara seus documentos de saída... A que horas? Ninguém se lembrava... Fora provavelmente um dos primeiros no ápice do tumulto. O camareiro .. Lembrava-se perfeitamente de que , por volta das 17:00h , pouco antes da chegada da saúde e da polícia portuária , Albertine lhe dera uma gorjeta. .. E naquele momento o camareiro depositara a valise junto à porta.. Não, o rapaz não parecia absolutamente nervoso, apenas cansado .
Mathieu , imperturbável , mascando seu chiclete exasperador, continuava a arrastá-los naquele dialeto sombrio. Na French Line, debruçou-se no balcão de acaju e estudou meticulosamente a lista dos passageiros Em seguida, telefonou de uma farmácia à polícia portuária.
Mac Donald começava a enervar-se, ou pelo menos foi a impressão de Winner, primeiro, depois confidenciada e compartilhada com o Capitão, em surdina. Não queria dar a perceber , mas à medida que a investigação prosseguia, era cada vez mais evidente sua impaciência.
Algo definitivamente não se encaixava ali. E algo tbm não estava se enquadrando no esquema que Mac Donald previra, pois a intervalos cada vez menores, ele e Mathieu trocavam um rápido olhar .
No dia seguinte, o Capitão não quis acompanhar Winner novamente. Agora, passados três dias de buscas infrutíferas, Winner narrava ao Capitão suas idas e vindas com Mathieu e Mac Donald, e o policial ia se mostrando cada vez mais preocupado. Às vezes, durante os telefonemas de Winner, o Capitão Reddington ficava com o garfo suspenso sobre o prato, olhando para a parede, esquecido da comida.
''Toda sentença moral '' , disse Winner naquela noite, após duas horas tentando telefonar para Reddington '' fornece bons exemplos daquelas coisas que ficam ''ENTRE '' . Como a famosa : NÃO MATARÁS . Vemos logo de cara que não é uma sentença verdadeira, nem subjetiva. Sabemos que em muitos aspectos nos mantemos rigorosamente conformes à ela; por outro lado, admitem-se exceções, bem numerosas mas claramente delimitadas ; mas num grande número de um terceiro tipo de casos, como na fantasia, nos desejos, nas peças de teatro , ou ao saborear as notícias de jornal , oscilamos desordenadamente entre repulsa e atração. ''
''`É o que em Nova York chamamos de EXIGÊNCIA '', disse o Capitão, segurando um pequeno riso.
''Dogmas da religião e da lei, Capitão. '', disse Winner. ''dogmas conferindo-lhes um caráter de '' VERDADE DERIVADA ''. Mas nós, o s romancistas policiais, só sabemos falar de exceções... começando pelo sacrifício de Abraão até a mais recente beldade que assassinou o amante a tiros, e de novo dissolvendo tudo isso em subjetividade.''.
''Podemos nos agarras às estacas '', disse o Capitão '' ou deixar que a grande onda nos leve de um lado para o outro entre elas''.
''Mas com que sensação ? , Um misto de obediência obstinada com um despreocupado chapinhar numa onda de possibilidades '', disse Winner.
''Seguir uma lei do alto, ou de dentro, desperta nosso senso crítico. Só isso ''. ,concluiu o Capitão.
''Mathieu encontrou ontem , na relação dos passageiros o nome da jovem chilena de que me lembrei, e conseguimos descobrir onde ela se hospedou ao desembarcar. Era um hotel da 66 St. Fomos até lá. Mathieu interrogou o porteiro, o empregado da recepção, os ascensoristas, sem encontrar nenhuma pista de Albertine. Então, Mathieu deu ao motorista do táxi o endereço de um bar próximo à Broadway. No caminho, falou com Mac Donald muito rápido para que eu não entendesse. Anotei o nome do bar : HORSE AT NIGHT . Porque ri, Capitão ? '', perguntou Winner, espirituosamente.
''Nada. Se já conheceu até o Horse at Night, NY não lhe reservará mais muitas surpresas. O que achou ? ''
Sempre aquela impressão de que caçoavam dele amigavelmente, ''mas caçoavam'' , Winner pensava.
''Bem no estilo dos filmes americanos '', resmungou.
Um recinto comprido e enfumaçado, um balcão interminável, com os inevitáveis banquinhos e garrafas multicoloridas, um barman negro e outro chinês, máquina de música fluorescente e máquinas retrô de cigarros, chicletes e amendoins torrados de brinde...
Winner e o Capitão imediatamente lembraram de Mathieu mascando chiclete.
''Todo mundo parecia se conhecer naquele antro '', disse Winner. Todo mundo se chamava Bob, Dick, Tom, Tony, e havia mais de uma ou duas mulheres à vontade circulando pelo salão.
''É só um ponto de encontro de gente boêmia. Artistas... '', disse o Capitão, gargalhando alto.
''Ou quase '' continuou Winner '' Mathieu andava nos rastro de um repórter conhecido dele, que costuma cobrir a chegada dos transatlânticos e que devia ter estado à bordo naquele fim de tarde. Nós de fato encontramos o homem, ou o que restava dele na mesa. Caía de bêbado.. Era hábito dele, Mathieu me informou rindo, se embriagar totalmente a partir das 15:30. Todos os dias... ''
''Sabe como ele se chama ? '', perguntou o Capitão.
''Vagamente. qualquer coisa parecida com Parson. Oliver Parson ? Ronald Parson. Talcott Parsons. Tinha cabelos crespos, olhos injetados e manchas de nicotina em torno dos lábios. ''
O Capitão até que tentou fingir que o FBI não tinha o direito de se ocupar das pessoas de ''consciência tranquila '', mas a cada novo nome que Winner pronunciava , a cada indivíduo que descrevia, o Capitão Reddington dava mostras de conhece-lo perfeitamente, embora não dissesse nada.
''Tem certeza de que o FBI é diferente dos federais franceses ? ''
''E muito ! O que disse esse tal Parsons ? '', questionou o Capitão.
''Só compreendi pedaços de frases. Apesar de bêbado, pareceu-me interessado no assunto. Devo dizer inclusive que Mathieu empurrou o sujeito com uma brutalidade ímpar, e depois falou bem duro com ele, apontando-lhe uma arma debaixo do queixo. Enquanto o Parson vasculhava a memória às pressas, Mac Donald me explicava : ----- É por intermédio dos repórteres que estiveram à bordo que temos mais chances d descobrir alguma coisa. eles são bons observadores. Conhecem todo mundo ----, depois disso, o Parson pediu mais bebida e limpou um fio de sangue da boca. Nunca vi ninguem ingerir alcool num ritmo e numa situação semelhante'' , disse Winner.
''He he.. verá muitos outros assim por aqui '', disse o Capitão . ''Mas, resumindo, se entendi bem, Mac Donald continua dando a impressão qu e tivemos dele, de estar muito ansioso para encontrar logo a filha do chefe. Isso depois de não ter querido nem ouvir falar no assunto.
O Capitão preocupava-se.
''Que pretende fazer ??''
''Confesso que quero encontrar a garota logo '', disse Winner.
''E parece que não é o único... ''
''Tem uma idéia, não tem, Capitão Reddington ?''
''Lembro-me, Mr Winner , de que em Paris, uns anos atrás, por ocasião de uma de nossas conversas na Brasserie Dauphine, o senhor me disse uma frase... será que se lembra ? '', recordou o Capitão.
'De nossas conversas, sim, mas da frase especificamente, não'', disse Winner.
''Eu havia feito uma pergunta semelhante à que acaba de me fazer. Acendendo um dos seus milhares de cigarros, o Sr. disse : 'EU NUNCA TENHO IDÉIAS ''. Neste momento estou como o Sr. , o que prova que todos os tipos de polícia do mundo têm certos pontos em comum. NÃO SEI DE NADA. Sei o que todo mundo sabe de Mr. Rivibelle. E daqueles que o rodeiam.' Eu não sabia nem sequer que ele tinha uma filha. Além disso, sou do FBI , que só se ocupa de crimes específicos. Em outras palavras, se eu tivesse a infelicidade de enfiar o nariz nessa história, seria provavelmente chamado à ordem com toda severidade '', concluiu o Capitão.
'' Laissez tomber... '' disse Winner.
''O quê ?'' , perguntou o Capitão.
''Deixa pra lá''
''Venha de vez em quando bater um papo. Telefone. ''
''Não posso impedir o Capitão de me fazer perguntas, certo ? '', insinuou Winner.
''Há perguntas extremamente difícies de serem deixadas sem resposta em Nova York''
''Esse é o ponto ''
''Venha conhecer meu gabinete um dia desses '' ,disse o Capitão, se despedindo. ''Eu me lembro bem do gabinete do Sr. As janelas davam para o Sena. As minhas dão, mais prosaicamente, para um paredão negro de alumínio e um estacionamento pago ''
K.M.
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