terça-feira, 9 de maio de 2017
NÓS SOMOS OS CONTINUADORES DA TRAGÉDIA GREGA
Winner não estava mais possuído pela mesma euforia. Tinha em sua mente, um vago plano sinistro que pretendia colocar em prática durante o debate daquela noite. Era um debate sobre Literatura Policial. Os participantes do debate se encontraram momentos antes do seu início. Entre eles, além do próprio Winner, estava tbm presente o escritor americano James Ellroy e o alemão Willy Voos, que vivia em Alicante, Espanha. O moderador era o francês Jean Claude Billé. Nenhum deles conhecia Winner pessoalmente. Ellroy colocou a mão no ombro de Winner e disse : ---- NÓS SOMOS OS CONTINUADORES DA TRAGÉDIA GREGA(.) -----, depois curvou a cabeça para trás e ficou rindo estranhamente. P.D. James, muito anglicanamente, fingiu não notar o comportamento do americano. Voos não conseguia escnder sua surpresa . O mesmo acontecia com Billé. -----VOCÊ LEMBRA O CARCAJU QUE ATERROTIZAVA OSLEITORES DE ''THE BIG NOWHERE'' (.) -----, disse Winner. ----UM RAPINANTE FEROZ, LE WOLVERINE (.) -----, disse billé. Ellroy estava fumando sozinho num canto. Os outros escritores, que admiravam a brutalidade, a falta de compaixão da literatura de Ellroy, esperavam naquele momento que ele se acalmasse e começasse a falar. ----Naturalmente (alguém disse ) ele não está drogado nem tendo um surto psicótico. Aos debates (!) ----,conclamou Billé. Num dos cantos da imensa caverna instalaram uma espécie de auditório, com uma mesa sobre um estrado e um semi-círculo de cadeira, todas ocupadas. Gente em pé. Billé começou : ----- Dizem que para a chamada Escola Inglesa, crime, criminoso e vítima existem apenas para permitir ao detetive o trabalho de solucionar o Enigma. Segundo esse ponto de vista, os autores ingleses não perderiam muito tempo na descrição dos personagens e suas motivações. Por outro lado, na escola americana, o Enigma é um pretexto para o crime . O crime, lado nefasto, secreto e obscuro da natureza humana, é o essencial. O detetive americano despreza os valores da sociedade em que atua, seja ele um investigador privado, como Sam Spade ou Philip Marlowe ; sejo um membro da força policial, como Hopkins ; seja um paranóico obsessivo, fugitivo de um asilo del oucos, como Kramer, do Romance Negro, de Winner. A corrupção, a violência, a loucura são a NORMA. Mas o que será que P.D. James tem adizer sobre isso (?) ------, ele disse. P.D. James respondeu com clareza : ---- Sim ,nós acreditamos que o Romance Policial Inglês, iniciado em 1848 com o livro Moonstone, de um autor muito ilustre, Wilkie Collins, deve narrar a descoberta de um crime através de um processo metódico e racional . A ação, em nossos livros, se desenvolve numa sociedade de hierarquias definidas, em que a paz e a ordem são a norma. O detetive , seja um investigador particular como Hercule Poirot, seja um inspetor daScotland Yard , como Larry Holt ou meu personagem Dalgliesh, trabalham em defesa dessa sociedade cujos valores respeita e aceita. Mas, se a ordem e a paz sao a norma, isto não significa que loucura, violência e corrupção não existam. Apenas são apresentadas ''sem a ênfase'' ---- e sorri amistosamente ---- ''dos americanos '' (.) -----, concluiu ele. ---- Quem é Larry Holt (?!) ----, alguém pergunta na platéia. ---- Personagem do Edgar Wallace, da época em que sua filha namorava o Carlos Castaneda (.) -----, o debate se tornava muito técnico então, e passara a ser acompanhado pelos assistentes sem muito interesse. Além do mais, nenhuma novidade estava sendo dita. Billé provocou Winner, perguntando se ele, aoafirmar, dois anos antes, que não existem outras escolas de romance noir além da inglesa e da americana, queria com isso dizer que apenas se escreve literatura negra na língua de Shakespeare. ----- Não quero aqui expor novamente oque eu disse (explicou Winner ) sobre ainexistência de uma tradição francesa de ''roman noir''. Dois americanos, Edgar Allan Poe e Dashiel Hammett, estabeleceram , em épocas distintas, as características modernas desse gênero literário, mas dou a vocês,franceses , a honra de serem os principais exegetas, os clássicos hermeneutas do gênero. Vou responder à pergunta de maneira sucinta. Existe literatura de mistério em todas as línguas. Simenon escreveu mais de uma centena de romances policiais.. em francês. Ele era belga. O Willy Voos, ao meu lado, escreve em alemão. Kyotaro Nishimura, tbm presente a este festival, tem centenas de livros policiais publicados, consta que ele escreve um por mês... em japonês. Dizem ainda que Yamamura Misa é mais rápida do que uma copiadora Nashua. Georgi Wainer escreve em russo. Montalbán e Juan Madri, em espanhol. .Aliás a língua que produz mais escritores policiais no mundo é a catalã, considerando-se o número reduzido de seus utentes. Escreve-se roman noir em urdu, tagalo, malgaxe, tâmul (.) ----, Winner fez uma pausa. ----- Verifico, porém , que muitos dos presentes ---- este senhor aqui na primeira fila, por exemplo , está quase dormindo --- talvez esteja achando o debate aborrecido, e eu tenho uma sugestão a fazer (.) ----, então, o homem a quem Winer se referia abriu os olhos, tirou o cachimbo da boca, e disse : ----- Eu não estava dormindo. Gosto de fumar e ouvir com os olhos fechados. Se estivesse o dormindo o cachimbo teria caído da minha boca (.) -----, risos. --- Qual é sua sugestão ? ----, perguntou Billé. Ele não gosotu da afirmação de Winner. ----- Acabamos de dizer que o Roman Noir não se caracteriza pela existência de um crime, com uma vítima que se sabe logo quem é ; e um criminoso, desconhecido ; e um detetive , que afinal descobre a identidade desse criminoso. Assim ,não existe o crime perfeito. Certo ? ----
------ Não, não existe o crime perfeito... na literatura (.) ----, disse Voos.
----- Nem na vida real ---- disse o homem do cachimbo.
----- Na vida real o que existem são os detetives reais. Humanos como todo mundo.
-----O crime perfeito é como uma obra de arte. Na obra de arte, como disse Baudelaire, não existe o ACASO, como não existe na mecânica. Uma obra deve ser como uma máquina ---- acrescentou Winner.
----- Como você vai provar a existência do crime perfeito. Isso é como provar a existência de Deus (.) ---- disse Ellroy.
-----Neste crime perfeito que imaginei (explicou Winner ) todos saberão logo de partida quem é o criminoso e terão de descobrir qual é o crime e quem é a vítima. Eu apenas mudei um dos dados do esquema -----
P.D. James sorri... esses americanos. Mas Ellroy ouvia muito atentamente. Ellroy James conhecia os abismos, Ellroy James sabia que Winner falava com convicção, e que o crime que ele tinha imaginado era realmente nefasto. O homem do cachimbo agora tinha os olhos bem abertos. Uma parte da platéia ria.
----- Espero que não esteja propondo que façamos com você o jogo do Die Panne do suíço Durrenmatt, em que voce seria Alfredo Traps e nós, Zorn, Kummer, Pilet. Ou seja, teríamos que buscar e revelar sua culpa nos fundos de sua consciência. A assunção da culpa, ao final ,redimindo o ''fluxo de consciência e o o''monólogo interior '' nas entrelinhas de cada interrogatório (.)----
A intervenção do editor da Polar, na sequência, animou bastante a discussão; Todos os membros da mesa participavam e tbm uma grande parte da platéia. Mas Winner agora estava em silêncio, desenhando, num papel à sua frente, estrelas de cinco pontas, num traço contínuo e sem levantar o lápis.
----- Já passou muito da hora do jantar e eu estou com fome (.) ----, ele disse.
K.M.
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