sexta-feira, 5 de maio de 2017
O rizoma é uma antigenealogia.
Paula Ignacio
O rizoma nos possibilita uma série de comunicações transversais, que embaralham nossas árvores genealógicas. O rizoma é uma antigenealogia.
Da mesma forma, acontece a “antigenealogia” do livro e do mundo. O livro não é a imagem do mundo, mas faz rizoma com ele, a partir do momento em que há evolução de um e de outro, conseqüente das intensidades que circulam por cada um, e dos pontos que são tratados segundo subjetivações.
Existe no fora e pelo fora. Assim como as plantas de raízes, que tem sempre um fora onde elas fazem rizoma com algo, seja com o vento, com animais, e até mesmo com o homem. Daqui podemos falar um pouco sobre o indivíduo e o social, uma vez que ele é um agenciamento, mas que também faz rizoma com tudo o que é externo a si. O interessante aqui é a possibilidade de rompimentos.
O homem e o social criam determinações e crenças que parecem enraizadas. Deleuze nos apresenta como a natureza pode nos mostrar as infinitas possibilidades de rupturas, mesmo que façamos parte de diversos tipos de agenciamentos (cultural, social, familiar, etc). Através dessas rupturas com o que já foi estabelecido, podemos ampliar os espaços, ampliar nossos territórios, sem, no entanto, deixarmos de fazer parte do agenciamento que nos compõe. Podemos ampliar nossas potencialidades e possibilidades através dos platôs, das linhas de fuga.
Guattari, antes mesmo deste livro, escreveu juntamente com Deleuze o Anti-Édipo, onde ele tenta fazer uma ruptura da psicanálise. A psicanálise tem como objeto o inconsciente, porém cristalizado. O que ele procura nos mostrar é que existe a possibilidade de estudar o inconsciente sem que o mesmo esteja cristalizado ou somente conectado à descrições de fatos, mas a possibilidade de exploração de um inconsciente não-camuflado, puro nele mesmo, sem que seja estudado pela camuflagem que o recobre, como os recantos da memória ou da linguagem. O que a psicanálise fez até então foi um decalque do inconsciente. Mas Deleuze e ele tentam mostrar que é possível fazer um mapa do inconsciente, muito além do simples decalque.
É como observar uma cidade inteira do alto de uma montanha, perceber como é a geologia do lugar, ao invés de adentrar a cidade e medir o território já estabelecido. Se observar do alto, poderá perceber as potencialidades de crescimento daquele território, mas se adentrar a cidade, apenas fará um estudo de pontos daquele determinado lugar, fechando as possibilidades de entrada e saída. Assim funciona com o inconsciente, que, pelo que foi compreendido aqui, deve ser estudado enquanto possibilidades, e não se limitar a fatos ou extratos que o compõem.
O rizoma é o mapa do lugar. Ele tem entradas múltiplas, o que permite também a sua expansão. Ao contrário do decalque, que cava sempre no mesmo lugar.
Deleuze e Guattari chamam isso de esquizoanálise. “Ao contrário da psicanálise, da competência psicanalítica, que achata cada desejo e enunciado sobre um eixo genético ou uma estrutura sobrecodificante e que produz ao infinito decalques dos estágios sobre este eixo(…) a esquizoanálise recusa toda a idéia de fatalidade decalcada, seja qual for o nome que lhe dê, histórica, econômica, estrutural, hereditária, etc.”
O desejo, para a esquizoanálise de Deleuze e Guattari, não é necessariamente ligado a um eixo genético, nem participa de uma estrutura profunda, ele atua como uma intensidade que circula entre entradas e saídas de problemas nos quais vivemos politicamente, e assim o desejo se transforma em pulsão, e pode ser vivenciado através das escolhas políticas decorrentes de agenciamentos.
Estudar o inconsciente seria mostrar como ele tenta constituir um rizoma, mas também com linhas de fuga. Essas linhas de fuga normalmente são obstruídas quando atentamos apenas para o enraizamento do indivíduo na família, sociedade, cultura. Ao invés de fechar o sistema, devemos abri-lo e possibilitar infinitas linhas de fuga.
“Pode até ser que a psicanálise sirva, não obstante nela, como ponto de apoio. Em outros casos, ao contrário, nos apoiaremos diretamente sobre uma linha de fuga que permita explodir os estratos, romper as raízes e operar novas conexões”.
O termo esquizoanálise vem do germânico skhízein (esquizo) que significa fender, dividido. Análise fendida, dividida, multiplicada.
Segundo Wikipedia:
“A cada momento, o ser humano é atravessado por forças externas, que se encontram no campo sócio-cultural, as quais promovem encontros que ora cristalizam o sujeito nos seus valores, tornando-o um ser mecânico e repetitivo, ora os faz produzir e viver de forma criativa e potente na relação com a vida.
Criada por Gilles Deleuze e Felix Guattari, a Esquizoanálise é uma concepção da realidade em todas suas superfícies, processos e entes, e também nas suas individuações inventivas como acontecimentos-devires. Para esta concepção, a produção e o desejo são imanentes entre si e produtores de toda a realidade. Consiste em uma ampla leitura da realidade, tanto natural, quanto social, subjetiva e assim como de uma realidade “outra”, pluripotencial.”
Como percebemos até aqui, a transdiciplinaridade e a pluripotencialidade nos ajudam a compreender como o sistema aberto rizomático pode ser atuante em todos os campos até agora tratados, como por exemplo a sociologia, a psicanálise, a biologia, botânica, literatura, engenharia genética, etc.
É interessante pensarmos na pragmática contida aqui. Existem as intensidades que circulam pelos platôs, que são espaços vazios, e uma vez circulantes elas podem se transformar em potências e essas potências se transformam em atos, a cada ponto de fuga. Diante de um enorme leque de possibilidades, a criação seria pragmaticamente o ponto máximo do esquema rizomático, o momento em que é criado um novo pseudo-bulbo e que, através dele, também podem ser criados outros. É um processo contínuo e ininterrupto de criação, da mesma forma que o conceito é o ponto máximo do ato de criar do filósofo, e a filosofia é a arte de criar conceitos.
A ciência é uma espécie de interpretação de regularidades e tentativa de explicar o mundo ordenado, ela explica apenas uma pequena parcela da realidade, o que falta nela é o devir. A produção de vida. A produção de realidade metamorfoseante. A mudança. O acontecimento. O Devir.
Neste sentido, a esquizoanálise se retrata como teoria da multiplicidade e filosofia da diferença. Uma espécie de empirismo transcedental, onde o devir é a própria essência da realidade.
Na Monografia apresentada pelos autores Jorge Bichuetti, Maria de Fátima Oliveira e Margarete Amorim no curso de especialização em Análise Institucional do Instituto Felix Guattari em Belo Horizonte, eles questionam a produção de conhecimento e a desmistificação de um não-saber:
“O espaço estriado da produção do conhecimento científico nega a produção de saber da cultura popular e do que se sabe pela experiência; nega os outros saberes e classifica de pensamento mágico. O fabular e o delírio, o folclore e a arte, a cultura popular e o saber inventivo do que experiencia um corpo são desclassificados, tidos como crendices.
Tudo fora da ciência é magia…
O saber científico se nomeia verdade, lei natural, realidade.”
(…)
“O Processo de institucionalização da ciência, do saber científico, como verdade única, absoluta, inquestionável, soberana e de validade universal, afirmou-se definindo todo outro e qualquer conhecimento como não saber.
O saber, assim, expropriou as pessoas e as comunidades do conhecimento que se adquire ao longo do tempo nas próprias experiências vitais.
O estatuto de não-saber desqualifica, marginaliza e silencia o saber das pessoas e dos grupos cujo pensar, sentir e agir não se dá legitimado pelas regras e procedimentos do saber instituído.
Práticas estas que, se revistas pelo foco dos interesses populares, revelar-se-iam práticas resistentes, resistência clandestina, de um povo que perdeu o chão-território e o seu universo de referência de sua própria história e se viram transformados numa gente sem-voz.
O paradigma científico hegemoniza a produção de verdades numa relação dialética com o não-saber.
Relação de contradições camufladas….
O saber toma a si como um ideal transcendente da própria existência, harmonioso e funcional com o não saber, existindo para servir a este; sendo, deste modo, cuidado e solução. Ele é um ato de cuidar, velar, suprir e prover a impotência e a ignorância do não-saber. “
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