quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Richmond, Califórinia. San Francisco. Hudson ---

----- A ciência da centralização baseia-se no controle 4.0 do cruzamento de dados. Comunicações fracionadas  horizontalmente , até os centros de poder mais altos  --- informações fluindo retransmitidas a executivos em todo o mundo , de acordo com o ''acesso controlado'' . Os gerentes das subsidiárias ficam perturbados quando vem o placar global . Atuam melhor quando conhecem apenas o necessário . Mas comigo não funciona assim.. Ora, controla-se uma grande companhia controlando suas despesas de capital , os produtos e , em grande detalhe , seu orçamento operacional.  A lógica da empresa planetária aumenta a dependência da sede mundial , do centro omnipotente de todas as informações, como numa mandala (.) ---- , eu disse.  O movimento em torno à mesa do café da manhã era uma cena puramente auditiva, alegre e congestionada pela cafeína e o tabaco, descomedidamente viva sobre as águas marrons de Nova Orleans ; olhei por sobre a amurada pensando que o rio Mississipi terminava na noite plausível do Golfo do México ; e que todos aqueles efeitos sonoros no pensamento daquele instante, que vinha me permitindo escutar outras vozes e sons além dos  ''meramente existentes'' , estavam vindo de um mundo fora dali , um mundo impessoal e indolor , distante das balsas do rio e do jazz de N; O. ; eu era  inteligente e refinado demais para ser feliz ali ---- esse era o laço impalpável que eu sentia unir-me ao Nada e à Bolsa de Valores . ---- Hoje , no entanto (eu disse ) ao cabo de vinte anos de versos despersonalizados e hiperintelectualizados , grande parte deles escritos como imitação de Eliot, Pound e Joyce , minhas anotações indicam que tornei-me formalmente discípulo desses Mestres como desculpa da minha despersonalização inata. Há muito de Eliot na minha pedanteria , e em minhas tendências místicas nadificantes ; todos aqueles quadros, livros, revistas e jogos de palavras no jardim dos séculos ; pela via Merrit, quando em Nova York  arranha-céus e luzes . Ora, eu queria ficar não apenas rico, mas também poderoso : acostumara-me a negociações bem sucedidas com reis, generais e sheiks , e  sabedores de que o balanço da minha companhia tornava o orçamento nacional de muitas potências  soberanas parecidos com os balancetes de minhas subsidiárias , não foi preciso me convencer de que a empresa planetária tornara-se o mais importante ator na política mundial. E quanto mais uma elite econômica aspirante (eu pensava ) questiona a sabedoria liberal convencional ou desafia elites e paradigmas mais antigos, mais crucial se torna a legitimação de sua influência ou autoridade política, não só inevitável, mas razoável na medida do possível ... Parvenu (!)  QUANTO BOM HUMOR (!) , aquele prazer era tal que  se tratava do meu ser no meu ser, sob a forma do ''para-si'' , eis o que chamaremos de ''acontecimento filosófico'' ---- como sempre, sem saber porquê, e`mais uma vez a caminho de San Francisco . O pensamento rachado e errante  (simultaneidade das anotações ) e encharcado , parcialmente afundado e virado pelo peso da água em seu interior, flutuando para o mar ao redor dos recifes, onde o barco oceânico passava uma vez mais por seu estranho destino multidimensional, como um espectro . Eu estava sentado sob a luz de um poste em alto-mar, lendo este diário. Meu espectro era um poeta descuidado, um olho, um homem , um espectro vigia da noite do Nada , pleno de panoramas e continentes  ---- sonhando com a garota da foto. A Causa Sui era o sentido do mundo ; o mundo a anunciava e se fazia mundo anunciando-a ; era por ela que , da irrupção do para-si no em-si , o em-si era ''mundificado'' . Todavia, a ''causa sui ''' não nos pertence como fazendo corpo com nosso projeto num avião à jato . Unidade transcendente do nosso projeto , pelo qual o para-si escapa do ciclo de produção imediato... para usar uma palavra de Tawney : ''PARVENUS "" (ironicamente )  .  Mas em comparação com a geração que tinha formado o ''sistema bancário do Leste '' , os escritórios de advocacia de Wall Street ,  as corretoras e o mundo da ''Segurança Nacional '' , os administradores não eram visivelmente patrícios, do Leste , ou egressos das universidades grãn-finas . Ironicamente , alguns dos maiores globalistas  do mundo vieram à luz no viveiro do isolamento norte-americano , o Meio -Oeste . Os ''administradores planetários'' passaram a constituir a corporificação que Thorstein Veblen há muitas décadas previu que terminaria por governar o país , ainda que mais como administradores do que como os ''construtores de impérios'' da propaganda . O ex-presidente da Exxon  , Clifton C. Gavin , havia iniciado a carreira como engenheiro de processos na refinaria de Baton Rouge. Os caminhos favoritos para a promoção sempre foram o departamento de finanças, contabilidade , engenharia e comercialização. Os homens que tinham subido aos mais altos escalões ali haviam chegado por distinguirem-se dos outros desenvolvendo habilidades organizacionais altamente lucrativas  ---- o mar na curva do rio ou apenas  a noite rolando em silêncio ( o Golfo do México era uma eternidade chuvosa e encharcada no banco de trás (neotomismo americano -Diário de Bordo) o mau tempo lá fora parecendo irremediável;  a paisagem vista da balsa , situada no meio de uma chuva contínua e sem igual , parecia porém ter uma doçura deslizante de silêncio , a calmante aproximação navegante . No outro dia o céu estava mais claro , mas com uma saraiva incerta que o vento morno fundia e dispersava : e eu discernia mais um daqueles dias tempestuosos pela frente , desordenados e agradáveis , em que os telhados, batidos por pancadas intermitentes que um raio de sol logo seca , deixam deslizar uma gota de chuva e, enquanto o vento não recomeça a rodopiar, alisam ao sol momentâneo , que as irisa , suas ardósias furta-cor ; um desses dias cheios de tantas mudanças de tempo , de incidentes aéreos, tempestades , que o preguiçoso não as dá por perdidas , pois se interessou profundamente pela atividade que a atmosfera tem desenvolvido em vez dele, agindo de certo modo em seu lugar , como um mago ; dias semelhantes a esses  tempos de rebelião ou de guerra que não parecem vazios ao estudante que não vai na aula , porque, nos arredores do Congresso americano ou lendo os jornais do dia , temos a ilusão de encontrar  , nos acontecimentos ocorridos , um proveito maior para nossa inteligência e uma desculpa para a perpetuação do ócio criativo ( as imagens cambiante do poeta simbolista , com suas ''associações múltiplas '' : personagens , situações, lugares, momentos vividos , emoções obsessivas , paixões amorosas e padrões de comportamento repetitivos ) . Enfim : dias em que aquele que nada fez além de exercícios físicos acredita extrair hábitos de trabalho superior do Éter meditativo e da Arte. Obviamente, estou falando do mundo vago do sono ; o narrador, confinado em seu quarto obscurecido, perdeu a noção do quarto em sua consciência,`que se expandiu em direção a outros lugares . Richmond, Califórinia. San Francisco. Hudson --- no apartamento de Carolyn , lado direito da Market  -



K.M.

4 comentários:

  1. ·

    Um homem desajeitado de rosto sombrio refestelava-se ressentido à sua mesa, a face apoiada na mão, murmurando em voz baixa e sarcástica frases complicadas que forneciam sutilmente a corda da inescapável lógica com que a sociedade se enforcaria,
    dissecando um século com um escalpelo tão afiado, tão cômico, aquele homem tinha uma incapacidade inata de dizer sim.
    Os anos que Thorstein Veblen passou no Carleton College foram os mesmos em que as afirmações de Darwin sobre desenvolvimento e transformação quebraram os dogmas estabelecidos do mundo da Arca de Noé,
    em que as mulheres de Ibsen rasgavam as portiéres dos salões vitorianos,
    e a poderosa máquina de Marx usava a lógica da contabilidade para destruir a própria contabilidade.
    No Carleton College, Thorstein foi considerado um excêntrico brilhante e insano; ninguém entendia como um rapaz de tais méritos não se dedicava à grane atividade do momento: adquirir bens e lucros com tudo que pudesse no débris da ética cristã e da economia do século dezoito que atulhava a mente dos professores universitários, e reforçar o santo edifício já abalado com as novas e fortes escoras da ciência que Herbert Spencer erguia em beneficio dos padrões.
    As pessoas se queixavam de que nunca sabiam se Thorstein Veblen brincava ou falava sério.
    Em 1881 iniciou estudos de gradução na Jonhs Hopkins. A universidade não foi grande coisa, mas a hospedagem numa velha casa de Baltimore, com algumas damas arruinadas, deu-lhe a desdenhosa visão daquela etiqueta roída de traças, mas diretamente herdada, através do pródigo lazer das mansões dos senhores de escravos, da alegre Inglaterra dos cavaleiros latifundiários.
    Sentiu-se mais a vontade em Yale, onde encontrou em Noah Porter uma redonda cabeça de granito da Nova Inglaterra contra qual seu granito da Noruega ressoava em clara discordância. Tirou ali seu Ph.D.
    Leu Kant e escreveu ensaios premiados. Mas não conseguiu arranjar um emprego. Tinha uma incapacidade inata de dizer sim. Por mais que tentasse, não podia fazer sua boca formar o essencial SIM.
    Voltou para Minnesota com um certo conhecimento intolerante das amenidades do ensino superior.
    Nas colônias escandinavas, o preço do trigo e a crença em Deus e em Santo Olaf desmoronavam juntas. Seus irmãos viviam resmungando contra aquele ''ocioso sardônico que não ganhava seu próprio sustento''.
    Em 1891, Veblen juntou algum dinheiro para ir fazer pós-graduação em Cornell. Apareceu no gabinete do chefe de departamento de economia usando um gorro de pele de guaxinim e calças de veludo cinza, e disse com sua voz arrastada, baixa e sarcástica:
    ----- Eu sou Thorstein Veblen (.) -----,
    mas só vários anos mais tarde, quando já se estabelecera na nova Universidade de Chicago, perto da Feira Mundial, e publicara A TEORIA DA CLASSE OCIOSA, o mundo viria a saber quem era Thorstein Veblen.

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  2. Suas únicas extravagâncias eram os cigarros russos que fumava e a faixa vermelha que às vezes usava na cintura. Quando dava aulas, apoiava a face na mão e murmurava longas frases em espiral, reiterativas como os Eddas. Sua linguagem era uma mistura de termos de mecânica, latinismo científico, gíria e o Thesaurus de Roget. Os outros professores não compreendiam por que as garotas ficavam tão apaixonadas por ele.
    E se apaixonavam de tal forma que sua jovem esposa vivia deixando-o.
    As más línguas falaram tanto (Veblen era um homem que jamais dava explicações, jamais pôde fazer a língua formar o essencial SIM) que sua esposa deixou-o e o reitor da universidade renunciou ao cargo.
    Veblen foi buscar Ellen Rolfe em Idaho para tentar novamente viverem juntos na Califórnia, mas em Palo Alto ele voltou a fraquejar. Ele tinha muita dificuldade em resistir as mulheres e uma estranha tendencia a ficar do lado da classe trabalhadora e não dos especuladores: Vieram as mesmas queixas de que seus cursos não eram construtivos nem atraíam as doações do grande capital e não contribuíam para que os alunos ficassem dóceis, se juntassem aos grêmios exclusivos e colhessem as ameixas da hierarquia no pomar acadêmico. A esposa dessa vez abandonou-o para sempre. Então ele escreveu a um amigo:
    ----- O reitor não aprova minha situação doméstica; nem eu (.) -----,
    Falando disso uma vez, acrescentou:
    ----- Que é que se vai fazer se a mulher nos aperta o cerco (?) -----,
    Voltou para a cabana nas florestas de Idaho.
    Em Columbia, Veblen vivia como um ermitão. Mas quando apareciam visitantes da Europa, era sempre com Veblen que eles queriam falar.
    Esses foram os anos em que compôs a maioria de suas obras, testando suas idéias com os alunos, escrevendo lentamente à noite com tinta violeta e uma caneta por ele mesmo desenhada. Toda vez que publicava um livro, tinha que depositar uma garantia junto aos editores.
    Em Theory of Business Enterprise, The Instinct of Workmanship, The Vested Interests and The Common Man,
    estabeleceu o novo diagrama de uma sociedade dominada pelo capital monopolista,
    traçou com ironia
    a sabotagem da produção pelo comércio,
    a sabotagem da vida pela necessidade cega de lucros monetários,
    apontou as alternativas: uma sociedade em guerra, estrangulada pelas burocracias dos monopólios, obrigada pelas leis dos retornos decrescentes a triturar cada vez mais o homem do povo para obter lucros,
    ou uma nova sociedade positiva e sensata, governada pelas necessidades dos homens e mulheres que faziam o trabalho e pelas possibilidades incrivelmente vastas de paz e abundância oferecidas pelo progresso da tecnologia.
    Eram os anos dos discursos de Debs, do número crescente dos sindicatos de operários, da proposta da democracia industrial da Industrial Woekers of the World: nesses anos Veblen ainda se apegava à esperança de que a classe operária assumisse a máquina da produção antes que o monopólio empurrasse de novo para as trevas os países ocidentais.

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  3. Mas a guerra interrompeu tudo isso. Os monopólios desencadearam a repressão sob as bandeiras e frases de W.Wilson. A democracia americana foi esmagada.
    Enquanto isso, o governo vinha achando seus livros cada vez mais confusos (risos) O correio foi proibido de veicular A ALEMANHA IMPERIAL e A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL, enquanto as agências de propaganda distribuiam o livro para fazerem as pessoas odiarem os hunos. Os educadores denunciavam A NATUREZA DA PAZ, enquanto especialistas de Washington pinçavam frases do livro para engrossar a cortina de fumaça do presidente Wilson.
    Ele estava então trabalhando na Food Administration (um orgão regulador de alimentos), endereço para o qual enviou dois relatórios: em um, defendia o cumprimento das exigencias de W.W. como medida de guerra e a conciliação com a classe operária, em vez do espancamento e prisão de todos os líderes autênticos; no outro, dizia que o orgão era uma negociata de comerciantes que não tinha a menor intenção de, como dizia, tornar-se a mais eficiente organização de produção do país. Sugeria que, no interesse do prosseguimento eficiente da guerra, o governo tomasse o lugar dos intermediários e fornecesse diretamente o necessário aos fazendeiros, em troca de matérias-primas;
    mas tirar o comércio da jogada não era, absolutamente, a idéia que o governo fazia de tornar o mundo um lugar seguro para a democracia,
    e por isso Veble foi demitido.
    Assinou os protestos contra o julgamento dos cento e um ativistas de Chicago.
    Após o armistício, foi para NovaYork. O ar renovava-se . Na Rússia, irrompera o grande furacão da revolta, que parecia varrer o Ocidente. Em Versalhes, aliados e inimigos, magnatas, generais, lacaios políticos fechavam suas janelas contra o furacão russo, contra o novo, contra a esperança. De re pente ficou claro, por um segundo naquele clarão retumbante, o que era a guerra, o que era a paz.

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  4. Na América, na Europa, os velhos venceram. Em seus gabinetes, os banqueiros deram um profundo suspiro, as velhas cobertas de diamentes da classe ociosa voltaram a recortar seus cupons na aristocrática tranquilidade dos cofres de depósitos,
    os últimos sopros de ozônio da revolta azedaram
    no sussurro das discussões nos bares que vendiam bebida clandestina.
    Veblen escrevia para o Dial,
    dava aulas na Nova Escola de Pesquisa Social.
    Ainda esperava que os engenheiros, os técnicos, os que não viviam de lucros e tinham as mãos nos painéis de controle assumissem a luta no ponto onde a classe operária fracassara. Ajudou a formar a Aliança Técnica. Sua última esperança foi a greve geral britânica.
    Não haveria uma grupo de homens com ousadia suficiente para tomar aquela máquina magnífica antes que os especuladores de olhos porcinos e seus lacaios de gabinete a arruinassem irrevogavelmente
    e com ela as esperanças de quatrocentos anos?
    Ninguém mais ia às aulas de Veblen na Nova Escola de Pesquisa Social. A cada artigo que escrevia para o Dial, a circulação caía.
    A normalidade de Harding, a ''nova era ''começava;
    até mesmo Veblen fez uma fezinha no mercado de ações.
    Era já um homem velho e solitário.
    Sua segunda esposa foi internada num manicômio com mania de perseguição.
    Parecia não haver lugar no planeta para um homem independente.
    Veblen voltou para Palo Alto
    para viver em sua cabana nas pardas montanhas e observar de fora os últimos estertores do sistema de lucros que exibia, como ele disse, as sistemáticas alucinações da dementia praecox.
    Ali concluiu uma antiga tradução de Laxdaelasaga.
    Era um velho. Estava muito só. Contou a um amigo que às vezes ouvia, no silêncio em volta, vozes de sua infância falando norueguês, tão nítidas quanto na fazenda de Minnesota onde fora criado. Os amigos o achavam mais difícil que nunca para conversar, mais difícil que nunca de se interessar por alguma coisa. Morreu em 3 de agosto de 1929.
    Entre seus papéis, encontrou -se uma nota à lápis:
    ----- É também meu desejo , em caso de morte, ser cremado se não for inconveniente, tão depressa e sem despesa quanto possível, sem qualquer espécie de ritual ou cerimônia; que minhas cinzas sejam lançadas no mar ou num rio de bom tamanho que corra para o mar; que nenhuma lápide, campa, epitáfio, placa, inscrição ou monumento, de qualquer natureza ou nome, seja erguida à minha memória ou nome em qualquer lugar, em qualquer época; que nenhum obituário, memorial, retrato ou biografia meus, nem quaisquer cartas para mim ou por mim escritas sejam impressos ou publicados, reproduzidos, copiados ou distribuídos de qualquer forma (.) -----,
    mas seu memorial permanece cravado no idioma universal do prisma claríssimo de sua mente.

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