sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Poíesis e Prâxis.

Uma consideração temática do trabalho humano, ao lado da poíesis * e da prâxis **, como um dos modos fundamentais da atividade do homem, não foi permitida aos gregos pelo fato de que o trabalho corporal, tornado necessário pelas necessidades da vida , era reservado aos escravos ; mas isso não significa que eles não fossem conscientes da sua existência ou não tivessem compreendido sua natureza. Trabalhar significava submeter-se à necessidade , e a submissão à necessidade, igualando o homem ao animal , forçado à perpétua busca da subsistência , era considerada incompatível com a condição do homem livre. Como bem observou Hanna Arendt , afirmar que o trabalho era desprezado pela Antiguidade porque era realizado somente pelos escravos é, na realidade, um preconceito : os antigos faziam o raciocínio oposto e julgavam que a existência dos escravos fosse necessária por causa da natureza servil das ocupações que proviam o sustento da vida . Eles tinham compreendido, portanto , um dos caracteres essenciais do trabalho , que é o seu remetimento imediato ao processo biológico da vida . De fato, enquanto a poíesis constrói o espaço em que o homem encontra sua própria  certeza e assegura a liberdade e a duração da sua ação , o pressuposto do trabalho é , ao contrário , a nua existência biológica, o processo cíclico do corpo humano, da ingestão da comida à evacuação de seus excrementos , cujo metabolismo e cujas energias dependem dos produtos elementares do trabalho . Na tradição da cultura ocidental , a distinção desse tríplice estatuto do ''fazer '' humano foi progressivamente se ofuscando . Aquilo que os gregos pensavam como poíesis é entendido pelos latinos como um modo do ''agere'' , isto é , como um agir que põe-em-obra , um ''operari'' . Enfim: tornam-se para os romanos actus e actualitas ; são transpostos (tra-duzidos) para o plano do ''agere'', da produção voluntária de um efeito . O pensamento teológico cristão , pensando o Ser  supremo como ''actus purus '' , lega à metafísica ocidental a interpretação do ser como efetividade e ato . Quando esse processo se cumpre na época moderna, não há mais qualquer possiblidade de se distinguir entre poíesis e prâxis , pro-dução e ação. O ''fazer'' do homem é determinado como atividade produtora de um efeito real ( o opus do operari, o factum do facere , o actus do agere ) , cujo valor é apreciado em função da vontade que nela se exprime, e, portanto , em relação com a sua liberdade e a sua criatividade (con questa tecnica si fa economia di tempo e di lavoro) . A experiência central da poíesis, a pro-dução na presença , cede agora lugar à consideração do ''como '' , isto é, do processo  através do qual o objeto foi produzido . No que concerne à obra de arte, isso significa que o acento é deslocado daquilo que para os gregos era a essência da obra ----- isto é , o fato de que , nela, algo viesse ao ser a partir do não ser, abrindo, assim , o espaço da verdade  e edificando um mundo para a habitação do homem na terra ----, ao operari do artista ---- isto é , ao gênio criativo e às particularidades características do processo artístico em que ele encontra expressão . 

K.M.


* Poíesis : poieîn ; pro-duzir , no sentido de agir.
** Prâxis : práttein ; fazer, no sentido de agir .

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