segunda-feira, 17 de abril de 2017

Pelo vento que estiver soprando !

A ascensão do sistema contemporâneo da livre empresa, como uma  estrutura dominante da economia capitalista mundial , constitui o estágio mais avançado de um processo que já dura seis séculos de diferenciação entre empresas comerciais e governos. Seguindo Frederic Lane é possível distinguir dois tipos de organização com base em seus objetivos, nos métodos empregados e em suas consequências sociais . Os governos são organizações voltadas para o poder, que utilizam a guerra, a força policial e os procedimentos jurídicos, suplementados por apelos ao sentimento moral, como meios característicos de atingir seus objetivos ; elas geram sistemas de direito e fidelidade. As empresas comerciais, em contraste , são organizaçoes voltadas para o lucro. , que utilizam como atividades costumeiras a compra e a venda; geram sistemas de produção e distribuição '' (Lane ) Examinando as organizações que efetivamente existiam no mundo ocidental por volta de 1900, não é muito difícil classificá-las, quer como governos, quer como empresas comerciais.  Mas ao examinarmos a expansão oceânica dos século s XV e XVI, não podemos classificar dessa maneira as organizações inicialmente envolvidas. quer consideremos seus motivos, seus métodos ou suas consequências,constatamos que as primeiras iniciativas  inovadoras costumam combinar características de governo e de empresas . As empresas que assumiram a liderança na expansão oceânica dos séculos XV e XVI já exibiam uma considerável especialização no exercício de funções governamentais ou empresariais e, por volta de 1900,a diferenciação entre empresas governamentais e empresariais não era tão completa quanto parecem indicar as observações de Lane. Mas seu comentário capta o impulso essencial do padrão evolutivo da economia capitalista mundial, desde seus primórdios, no fim da Europa medieval até hoje.. No princípio, as redes de acumulação de capital estavam inteiramente inseridas em redes de poder e lhes eram subordinadas. Nessas condições, para terem sucesso na busca do lucro, era necessário que as organizações empresariais fossem Estados poderosos, como foi atestado pela experiência das oligarquias capitalistas do norte da Itália, líderes não apenas no processo de acumulação de capital, mas tbm nos processos de gestão do Estado e da guerra. Porém, à medida que as redes de acumulação se expandiram de modo a abranger todo o globo, elas se tornaram cada vez mais autônomas e dominantes em relação às redes de poder. Como resultado, surgiu uma situação que em que, para ter êxito na busca de poder, os governos tinham que ser líderes não apenas nos processos de gestão do Estado e da guerra mas tbm nos de acumulação de capital. A transformação da economia capitalista mundial ----- passando de um sistema em que as redes de acumulação estavam inseridas nas redes de poder e subordinadas a elas para um sistema em que as redes de poder estão inteiramente inseridas nas redes de acumulação e subordinadas a estas ------ essa transformação avançou por uma série de ciclos sistêmicos de acumulação, cada um consistindo numa fase de expansão material seguida de uma fase de expansão financeira. Aidéia de sucessivos ciclos sistêmicos de acumulação derivou de Fernand Braudel de que todas as grandes expansões comerciais da economia mundial anunciaram sua ''maturidade'' ao chegarem ao estágio da expansão financeira. O início das expansões financeiras são o momento em que os principais agentes empresariais da expansão comercial anterior deslocam suas energias e seus recursos do comércio  de mercadorias e para o come´rcio de moedas. E como Braudel, tomo a repetição desse tipo de expansão financeira como a principal expressão de uma certa unidade da história capitalista, desde o fim da Idade Média até hoje. Nesse aspecto, meus ciclos sistêmicos de acumulação assemelham-se aos estágios de desenvolvimento capitalista de Henri Pirenne. Fazendo um levantamento da história social do capitalismo num período de mil anos, Pirenne observou que, em cada período em que se pode dividir essa história, houve uma classe distinta e isolada de capitalistas. ''O grupo de capitalistas de uma dada época não surge do grupo capitalista da época precedente. A cada mudança de organização econômica, deparamos com uma quebra da continuidade. É como se os capitalistas ativos até aquele momento se reconhecessem incapazes de se adaptar às condições suscitadas por necessidades antes desconhecidas, e que requereriam métodos não empregados até então . Eles se retiram da luta e se transformam  num aristocracia, a qual, quando volta a desempenhar algum papel no curso dos acontecimentos, só o faz de maneira passiva, assumindo um papel de sócia silenciosa '' (Pirenne ) . Seu lugar na promoção da expansão subsequente é assumido por uma nova classe de capitalistas , ''que se permitem ser impelidos pelo vento que estiver soprando, e que sabem manobrar suas velas de modo a tirar proveito dele, até chegar o dia em que , por sua vez, eles param e são ultrapassados por novas embarcações, de forças revigoradas e novos rumos '' (Pirenne )

K.M.

7 comentários:

  1. Não deve ser afirmada a permanência de uma classe capitalista através dos séculos, como resultado de um desenvolvimento contínuo e de uma modificação de si mesma para se ajustar à circunstâncias cambiantes. Há tantas classes de capitalistas quantas são as épocas na história econômica. Essa história não se apresenta aos olhos do obsrvador sob a forma de um plano inclinado ; parece-me mais com uma escadaria; cada um de cujos degraus ergue-se abruptamente acima do que o precedeu. Não estamos na presença de um aclive suave e regular, mas de uma série de elevações '' (Pirenne )

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  2. Minha sucessão de ciclos sistêmicos tbm constitui uma ''série de elevações '' , sendo cada uma resultante das atividades de um complexo particular de agentes governamentais e empresariais, dotadas de capacidade de levar a expansão da economia um passo além do que podiam fazer os promotores e organizadores da expansão precedente.Cada passo adiante implicando umatroca de guarda no alto comando da economia mundial capitalista e uma concomitante ''revolução organizacional '' nos processos de acumulação ----- ''revoluções organizacionais '' que sempre ocorreram durante as fases de expansão financeira.

    K.M.

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  3. O PONTO ZERO do desenvolvimento do capitalismo como sistema mundial foi a expansão financeira deslanchada no fim da expansão comercial do ´seculo XIII e início do XIV . Essa expansão do comércio abrangeu alguns locais seletos de todaa Eurásia e partes da África. AS CIDADES-ESTADO DO NORTE DA ITÁLIA ,QUE FIGURARAM ENTRE OS PRINCIPAIS BENEFICIÁRIOS DA EXPANSÃO COMERCIAL E SE TORNARAM OS LÍDERES DA EXPANSÃO FINANCEIRA SUBSEQUENTE DA ECONOMIA MUNDIAL EUROPÉIA, DE FATO DESEMPENHARAM UM PAPEL CRUCIAL NA CRIAÇÃO DE ELOS REGIONAIS NA CADEIA TRANS-CONTINETAL DE TRANSAÇÕES QUE SE ESTENDIA DA INGLATERRA ATÉ A CHINA.

    K.M.

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  4. As Quatro Grandes ocupavam nichos de mercado bem distintos no sistema comercial. Florença e Milão empenhavam-se, ambas, na manufatura e no comércio terrestre com o noroeste da Europa ; mas, enquanto Florença se especializava no comércio de produtos téxteis , Milão especializava-se no de metais. Veneza e Gênova especializavam-se nos negócios com o circuito sul-asiático, baseado no comércio de especiarias, Genova especializava-se em negócios com o circuito centro-asiático, baseado no comércio da seda. A redução dos riscos operacionais era o mais importante :Todo comerciante opera num ambiente no qual só conhece razoavelmente bem as partes que lhe estão mais ''próximas'' ; tem um conhecimento muito menor de partes que talvez lhe digam respeito intimamente, embora estejam ''mais longe '' . É sempre vantajoso que ele encontre meios de diminuir os riscos provenientes de seus conhecimentos imperfeitos, quer diretamente, ampliando os conhecimentos, quer indiretamente, concebendo salvaguardas, de modo a que as coisas surgidas das trevas possam (provavelmente) causar-lhe menos danos. A evolução das instituições da economia mercantil é, basicamente, uma questão de descobrir meios de diminuir os riscos .

    K.M.

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  5. Quanto maior o número de comerciantes em contato uns com os outros mais fácil era obter informações ; e mais importante ainda, mais fácil era ''transferir os riscos '' ---- riscos que surgiam para o comerciante isolado, de sua própria ignorância ---- para os ombros dos que eram menos ignorantes nesse aspecto . Há poucas dúvidas de que a especialização das cidades-Estado da Itália setentrional m circuitos de comércio inter-relacionados, mas espacial ou funcionalmente distintos, aumentou grandemente seu conhecimento coletivo da economia mundial em que operavam, e com isso reduziu os riscos decorrentes de fazer comércio num ambiente fundamentalmente inseguro ou hostil

    K.M.

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  6. A cooperação que tende a se desenvolver entre centros de acumulação nas fases finais das expansões do comércio difere radicalmente, em suas origens e consequencias, da cooperação que prevalece em suas fases iniciais. Este último tipo de cooperação enraíza-se na ''fragilidade '' estrutural das pressões competitivas, em virtude do fato de a expansão comercial de cada centro de comércio ser ''naturalmente'' protegida pela distância espacial ou funcional que separa seu negócio dosnegócios de todos os outros centros, e da divisão do trabalho que faz com que a lucratividade e segurança dos negócios de cadacentro dependam da lucratividade e segurança dos negócios de todos os demais.

    K.M.

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  7. ''O que pode haver de melhor ? O tumulto do mercado se ordena. As pessoas tem seus lugares nas sociedades, lugares a que devem se ater, mas que lhes são preservados pela proteção contra a intromissão de terceiros. Através de suas guildas e associações similares, que são os meios de obter essa proteção, elas podem explorar novas formas de camaradagem humana. E hátbm outras vantagens. O vigor que marcou a expansão pode não se perder de imediato ; talvez se afaste das inovações comerciais mas, com a segurança e a riqueza, pode voltar-se para outros campos. A expansão do comércio é um estímulo intelectual , mas quando chega o momento em que já não absorve essa mesma energia, pode-se buscar a arte pela arte . .. Foi depois de concluída sua expansão comercial que Florença e Veneza tornaram-se as sedes do Alto Renascimento '' (Hicks )

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