O diário arrebicado e verbalmente luxuoso para o qual , com minha genuína
paixão pelo requinte , pela combinação de arte e moda , logrei obter em
trânsito ilustrações e musicalizações para alguns dos meus poemas e trechos de
cartas que viraram peças de teatro no Centro- oeste (não que eu queira escrever
e rabiscar como antes (pavoneando-me) , mas apenas me pergunto se devo
continuar pensando até o fundo das coisas pelos labirintos requintados e
presunçosos da linguagem e do pensamento, mesmo após a iluminação da
consciência ter se mostrado tão simples e poderosa. Parece que não consigo mais
ser sério porque... tudo ao meu redor parece ser ambíguo. E não sei dizer o
quanto estou louco por não me importar em reconhecer isso como produto da
meditação intensiva , esse nirvana que se aproxima da seriedade filosófica
diretamente, sem a intermediação da linguagem e do pensamento, e com tanto bom
humor que a intuição intelectual é obrigada a caminhar seis quilômetros até
chegar à grande compreensão da consciência na margem do rio (noroeste ,
passando por Connell , Lind , Sprague , cheney : terras de trigo e gado como o
leste do Wyoming ) . Diante de nós a escura e espessa corrente passando ,
falando conosco num murmúrio incessante e incontável , a superfície amarela
monstruosamente ondulada em redemoinhos que se desvanecem viajando ao longo da
superfície , silenciosos , transitórios e profundamente significativos , como
se sob a superfície alguma coisa enorme e viva acordasse por um instante de um
preguiçoso alerta e voltasse a cair num ligeiro adormecimento . ---- Uma explosão de nevascas até Spokane (eu
disse) Uma cidade grande coberta de neve na tarde de quarta feira (.)
----. Vesti minha jaqueta de piloto de
caça e saí na neve para ir ver silos de trigo parecidos com Nebraska , um lugar
de meditação para uma quarta-feira vazia numa cidade de tijolos vermelhos. De Spokane
para Idaho. Aquela terra escura do Colúmbia !O rio Snake tornou-se agora um rio
que se dirige para o leste , para as entranhas dos Mississipi ----- como ele,
só se origina a dois quilômetros do Divisor de Águas Continental em Jackson Hole,
Wyoming ; mas o Colúmbia ganha dele em Pasco ; e o território do Oregon
continua mais preservado ---- apesar do Columbia serpentear desde o Canadá até
a boca do Astoria . Ele borbulha e murmura entre as raias das rodas dos carros
na estrada e na altura de nossos joelhos , no barco ou no ônibus : ele está na
audição, amarelo, cheio de fragmentos e detritos, com espessas bolas de espuma
como se estivesse suando , espumando , como um cavalo que se está montando
depressa. Pela vegetação rasteira corria um melancólico som meditativo ; nela
os juncos soltos e as árvores pequenas se inclinavam como antes de um vendaval
, balançando sem reflexos como se suspensos por fios invisíveis dos galhos de
cima. Sobre a superfície incessante estavam eles --- árvores , juncos ,
trepadeiras ----- sem raízes , cortados da terra , espectrais sobre um cenário
de imensa mas circunscrita desolação, tomado pela voz da devastada e fúnebre
água ---- o cavalo estava se sentindo incomodado , seu olho girava
desordenadamente claro em sua longa cara de narinas dilatadas respirando
depressa (quieto e firme e rapidamente de um lado para o outro ; meu rosto
calmo , um pouco pálido , mas alerta . ----Ele pode nadar (.) ----, eu disse ,
e continuei contra o rio aberto , a barriga do cavalo submersa na água agora .
---- Cuidado (!) ----, ela disse (portanto --- pensei ---- o Noroeste também
tinha sua ‘’Grande Noite Chuvosa ‘’ , como Lowell tem o Merrimack, e Asheville
seu Broad , e Harrisburg seu Susquehanna.
Como o Vietnã tinha seu Mekong. ----
Vamos agora (continuei ) Esse rio é a única coisa à nossa vista que não
pertence àquela nossa solitária monotonia de desolação , tendendo da direita
para a esquerda com depurado rigor , como se tivéssemos atingido o lugar onde o
movimento do mundo devastado se acelerasse bem antes do derradeiro precipício
(.) Mas ainda assim (quer saber ??) ele parece pequeno quando penso
conscientemente nele agora: numa economia como a atual , tanto a produção de
mercadorias quanto a posse de ativos é uma aposta, em condições de incerteza,
na capacidade dessas formas particulares de riqueza de , no momento da
conversão , preservarem seus valores em dinheiro, proporcionando ganhos.
Apostas que supõem regras que garantem a credibilidade do padrão monetário e os
limites ao refinanciamento das posições devedoras que sustentam a posse de ativos
desvalorizados ou ilíquidos... Ora, o espaço entre nós era todo feito de tempo : uma irrevogável qualidade (!) Era como se o
tempo , não mais correndo antes de nós numa linha minguante , agora corresse
paralelo entre nós como um fio envolvente , a distância sendo o dobro acrescido
do fio e não o espaço que nos separava . Quando bem avaliados (eu pensava) os ganhos
ou a valorização monetária do patrimônio levava os produtores à decisão de
colocar em funcionamento a capacidade produtiva existente e de ampliar o
estoque de riqueza produtivo sob seu controle; e o estado negativo de
expectativas envolvia sempre uma avaliação pessimista quanto à recompensa da
conversão de sua mercadoria em mercadoria universal . Mas além disso, o temor
de que, chegando à conversão desejada, o possuidor recebesse dinheiro cujo prêmio
de liquidez está já ameaçado por práticas abusivas de monetização de dívidas.
Eu precisava forçar o cavalo a entrar na corrente ! Ele se movia , levantando
muito as patas , pescoço arqueado, contrariado e irritado . Eu estava cada vez
mais inclinado para a frente e meus joelhos meio levantados ; de novo meu olhar
rápido calmo alerta atravessando o rio . Mergulhei o cavalo na corrente
conversando com ele num suave murmúrio. O cavalo escorrega , afunda agora até a
sela , de novo se levanta , a corrente crescendo sobre minhas coxas (sentia que
a corrente nos levava e soube que estávamos no vau por causa disso , já que era
só por meio daquele contato escorregadio que podíamos dizer que estávamos em
movimento. O que antes fora uma superfície plana agora era uma sucessão de
montículos e buracos que subiam e desciam ao nosso redor , nos empurrando , nos
incomodando com toques leves e preguiçosos nos fugazes momentos de solidez sob
suas patas . Grito com o cavalo ! De novo, dou a impressão de que levanto o
animal entre meus joelhos . Agora um pouco acima da parte alta do vau; o cavalo
tem uma espécie de ponto de apoio para que seja lançado para a frente pelas
ondas , brilhando meio molhado fora d ´água, abrindo caminho numa sucessão de
investidas. Avança com uma rapidez incrível !
K.M.
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