quarta-feira, 1 de março de 2017

O Noroeste também tinha sua ‘’Grande Noite Chuvosa ‘’

O diário arrebicado e verbalmente luxuoso para o qual , com minha genuína paixão pelo requinte , pela combinação de arte e moda , logrei obter em trânsito ilustrações e musicalizações para alguns dos meus poemas e trechos de cartas que viraram peças de teatro no Centro- oeste (não que eu queira escrever e rabiscar como antes (pavoneando-me) , mas apenas me pergunto se devo continuar pensando até o fundo das coisas pelos labirintos requintados e presunçosos da linguagem e do pensamento, mesmo após a iluminação da consciência ter se mostrado tão simples e poderosa. Parece que não consigo mais ser sério porque... tudo ao meu redor parece ser ambíguo. E não sei dizer o quanto estou louco por não me importar em reconhecer isso como produto da meditação intensiva , esse nirvana que se aproxima da seriedade filosófica diretamente, sem a intermediação da linguagem e do pensamento, e com tanto bom humor que a intuição intelectual é obrigada a caminhar seis quilômetros até chegar à grande compreensão da consciência na margem do rio (noroeste , passando por Connell , Lind , Sprague , cheney : terras de trigo e gado como o leste do Wyoming ) . Diante de nós a escura e espessa corrente passando , falando conosco num murmúrio incessante e incontável , a superfície amarela monstruosamente ondulada em redemoinhos que se desvanecem viajando ao longo da superfície , silenciosos , transitórios e profundamente significativos , como se sob a superfície alguma coisa enorme e viva acordasse por um instante de um preguiçoso alerta e voltasse a cair num ligeiro adormecimento .  ---- Uma explosão de nevascas até Spokane (eu disse) Uma cidade grande coberta de neve na tarde de quarta feira (.) ----.  Vesti minha jaqueta de piloto de caça e saí na neve para ir ver silos de trigo parecidos com Nebraska , um lugar de meditação para uma quarta-feira vazia numa cidade de tijolos vermelhos. De Spokane para Idaho. Aquela terra escura do Colúmbia !O rio Snake tornou-se agora um rio que se dirige para o leste , para as entranhas dos Mississipi ----- como ele, só se origina a dois quilômetros do Divisor de Águas Continental em Jackson Hole, Wyoming ; mas o Colúmbia ganha dele em Pasco ; e o território do Oregon continua mais preservado ---- apesar do Columbia serpentear desde o Canadá até a boca do Astoria . Ele borbulha e murmura entre as raias das rodas dos carros na estrada e na altura de nossos joelhos , no barco ou no ônibus : ele está na audição, amarelo, cheio de fragmentos e detritos, com espessas bolas de espuma como se estivesse suando , espumando , como um cavalo que se está montando depressa. Pela vegetação rasteira corria um melancólico som meditativo ; nela os juncos soltos e as árvores pequenas se inclinavam como antes de um vendaval , balançando sem reflexos como se suspensos por fios invisíveis dos galhos de cima. Sobre a superfície incessante estavam eles --- árvores , juncos , trepadeiras ----- sem raízes , cortados da terra , espectrais sobre um cenário de imensa mas circunscrita desolação, tomado pela voz da devastada e fúnebre água ---- o cavalo estava se sentindo incomodado , seu olho girava desordenadamente claro em sua longa cara de narinas dilatadas respirando depressa (quieto e firme e rapidamente de um lado para o outro ; meu rosto calmo , um pouco pálido , mas alerta . ----Ele pode nadar (.) ----, eu disse , e continuei contra o rio aberto , a barriga do cavalo submersa na água agora . ---- Cuidado (!) ----, ela disse (portanto --- pensei ---- o Noroeste também tinha sua ‘’Grande Noite Chuvosa ‘’ , como Lowell tem o Merrimack, e Asheville seu Broad , e Harrisburg seu  Susquehanna. Como o Vietnã tinha seu Mekong. ----  Vamos agora (continuei ) Esse rio é a única coisa à nossa vista que não pertence àquela nossa solitária monotonia de desolação , tendendo da direita para a esquerda com depurado rigor , como se tivéssemos atingido o lugar onde o movimento do mundo devastado se acelerasse bem antes do derradeiro precipício (.) Mas ainda assim (quer saber ??) ele parece pequeno quando penso conscientemente nele agora: numa economia como a atual , tanto a produção de mercadorias quanto a posse de ativos é uma aposta, em condições de incerteza, na capacidade dessas formas particulares de riqueza de , no momento da conversão , preservarem seus valores em dinheiro, proporcionando ganhos. Apostas que supõem regras que garantem a credibilidade do padrão monetário e os limites ao refinanciamento das posições devedoras que sustentam a posse de ativos desvalorizados ou ilíquidos... Ora, o espaço entre nós era todo feito de tempo  : uma irrevogável qualidade (!) Era como se o tempo , não mais correndo antes de nós numa linha minguante , agora corresse paralelo entre nós como um fio envolvente , a distância sendo o dobro acrescido do fio e não o espaço que nos separava . Quando bem avaliados (eu pensava) os ganhos ou a valorização monetária do patrimônio levava os produtores à decisão de colocar em funcionamento a capacidade produtiva existente e de ampliar o estoque de riqueza produtivo sob seu controle; e o estado negativo de expectativas envolvia sempre uma avaliação pessimista quanto à recompensa da conversão de sua mercadoria em mercadoria universal . Mas além disso, o temor de que, chegando à conversão desejada, o possuidor recebesse dinheiro cujo prêmio de liquidez está já ameaçado por práticas abusivas de monetização de dívidas. Eu precisava forçar o cavalo a entrar na corrente ! Ele se movia , levantando muito as patas , pescoço arqueado, contrariado e irritado . Eu estava cada vez mais inclinado para a frente e meus joelhos meio levantados ; de novo meu olhar rápido calmo alerta atravessando o rio . Mergulhei o cavalo na corrente conversando com ele num suave murmúrio. O cavalo escorrega , afunda agora até a sela , de novo se levanta , a corrente crescendo sobre minhas coxas (sentia que a corrente nos levava e soube que estávamos no vau por causa disso , já que era só por meio daquele contato escorregadio que podíamos dizer que estávamos em movimento. O que antes fora uma superfície plana agora era uma sucessão de montículos e buracos que subiam e desciam ao nosso redor , nos empurrando , nos incomodando com toques leves e preguiçosos nos fugazes momentos de solidez sob suas patas . Grito com o cavalo ! De novo, dou a impressão de que levanto o animal entre meus joelhos . Agora um pouco acima da parte alta do vau; o cavalo tem uma espécie de ponto de apoio para que seja lançado para a frente pelas ondas , brilhando meio molhado fora d ´água, abrindo caminho numa sucessão de investidas. Avança com uma rapidez incrível !


K.M.      

Nenhum comentário:

Postar um comentário