sábado, 4 de março de 2017

Dictionnaire de René Guénon: ORDRE

Por René Guénon

Ordem cósmica. Ordem social. A Ordem universal que é visível no seio da Manifestação, e que se exprime pelas leis imanentes, os ritmos cíclicos, os equilíbrios naturais, é uma expressão concreta e tangível da Vontade Divina, revestindo "em cada estado de existência modalidades particulares determinadas pelas condições próprias deste estado. A Ordem (Dharma) é um dado imperativo, uma regra que se impõe por seu caráter evidente e maciço, uma determinação não humana vis a vis da qual a submissão a suas regras não sofre nenhuma discussão, eis porque pode-se falar do caráter universal da Ordem na medida onde sua aplicação se estende a todos, seres e coisas, e que seu poder não pode ser relativizado. A universalidade da Ordem, quando nela se reflete, desemboca diretamente sobre seu aspecto cósmico, pois, como o sabemos, uma lei universal desdobra seu eco ao "Cosmos" em sua integralidade, por conta do efeito da interdependência e da correspondência entre "macrocosmo" e "microcosmo". A Ordem não é portanto o resultado de uma "convenção" geral, de uma decisão contratual fruto de um assentimento coletivo, ela se afirma muito pelo contrário, sem contestação possível, por seu caráter transcendente e categórico. Responde a princípios que têm sua aplicação do ponto de vista cósmico, o que a torna finalmente insuperável.

Este primeiro aspecto, essencial, concernindo o caráter universal e cósmico da Ordem, quando é bem compreendido, nos conduz a constatar que a aplicação de seus imperativos se exerce igualmente aos modos de organização das sociedade, donde a apelação de "Ordem Social" aplicada aos princípios que regem as governanças e os comportamentos dos grupos, segundo seu lugar preciso na Hierarquia tradicional das estruturas humanas. Como lembra René Guénon, o poder temporal está ligado ao mundo da ação e da mudança, mundo que, não possuindo nele mesmo sua razão suficiente, "deve por este fato receber de um princípio superior sua lei, pela qual se integra à ordem universal". Em revanche, e daí vem todo o problema, "se se pretende independente de todo princípio superior, não é mais, por aí mesmo, senão desordem pura e simples". Guénon nos faz ver que a desordem é, no fundo, a mesma coisa que o desequilíbrio, e, no domínio humano, se manifesta por isto que se denomina a injustiça, pois há identidade entre as noções de justiça, de ordem, de equilíbrio, de harmonia, ou, mais precisamente, não são senão aspectos diversos de uma só e mesma coisa, visualizada de maneiras diferentes e múltiplas seguindo os domínios aos quais se aplica. Decorre disto, ao nível dos modos organizacionais das sociedades, que a desordem vai responder, pelo poder de um fenômeno compensador, a uma desordem precedente. É uma lei imutável que se encontra em todas as épocas, e que se aplica universalmente. "A justiça, explica Guénon, é feita da soma de todas as injustiças, e, na ordem total, toda desordem se compensa por uma outra desordem; eis porque a revolução que reverte a realeza é ao mesmo tempo a consequência lógica e o castigo, quer dizer a compensação da revolta anterior desta mesma realeza contra a autoridade espiritual". A Ordem, a Lei, são neste ponto intrinsecamente integradas ao ser mesmo das estruturas sociais, que aqueles que, seja não respeitam mais as regras, seja ao contrário aqueles que se revoltam contra o desrespeito destes últimos, participam inconscientemente do tempo ao reequilibrar natural. A Lei, ou a Ordem, são, evidentemente, negadas desde quando se nega o princípio da qual emanam, mas, como o sublinha Guénon, os negadores da Ordem não podem suprimi-la realmente, e esta mesma Ordem, ou esta lei, se voltam contra eles; "é assim que a desordem deve reentrar finalmente na ordem, à qual nada poderia se opôr, se não é em aparência somente e de uma maneira ilusória. Reter-se-á igualmente, a respeito desta questão, que a acentuação da desordem provoca uma aceleração geral do movimento, "pois não se dá um passo a mais no sentido de mudança pura e de 'instantaneidade'; eis porque quanto mais os elementos sociais que a carregam são de uma ordem inferior, mas sua dominação é durável". Guénon tira esta conclusão: "Como tudo que não tem senão uma existência negativa, a desordem se destrói a ela mesma". Esta forte sentença nos mostra que, finalmente, todo concurso à Ordem, voluntária ou involuntariamente, e que é por vezes no excesso mesmo da desordem que pode se encontrar e se encontra o remédio que é capaz de cumprir o verdadeiro restabelecimento do equilíbrio universal. "Que se reporte ao Apocalipse, sugere Guénon, e se verá que é no extremo limite da desordem, indo até a aparente extinção do "mundo exterior", que deve se produzir o evento da "Jerusalém Celeste", que será, par um novo período da história da humanidade, a analogia do que foi o "Paraíso Terrestre" para aquele que se terminará neste momento mesmo. Em seguida, prosseguindo sua reflexão René Guénon nos lega, de certa maneira, sua análise a respeito do fim do ciclo, que deve ser também o fim da desordem e o retorno à Ordem autêntica, quando nos diz: "A identidade dos caracteres da época moderna" com aqueles que as doutrinas tradicionais indicam para a fase final do Kali-Yuga permite pensar, sem muita dessemelhança, que esta eventualidade poderia muito bem não estar muito longe; e seria aí, certamente, depois da obscuração presente, o completo triunfo do espiritual". Estejamos portanto certos que cedo ou tarde, mesmo se a confusão pareça se generalizar e se espalhar ao conjunto do mundo de uma maneira que é incomparavelmente superior à tudo o que se pôde conhecer até agora, "convém esperar o fim (...) pois a desordem se extingue e a ordem se restaura fatalmente".

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