sexta-feira, 31 de março de 2017

Bifurcação.


Podemos tomar a falta de consenso quanto à direção e ao sentido das atuais mudanças na economia política global como um sinal de que estamos em meio a uma mudança sistêmica ----- ou seja, um processo de reorganização radical do moderno sistema mundial que altera substantivamente a natureza dos integrantes do sistema, sua maneira de se relacionar uns com os outros, e o modo como o sistema funciona e se reproduz.  Nas épocas de mudanças sistêmicas, como assinalou Abu-Lughod , ''pequenas situações localizadas podem interagir com as adjacentes , criando resultados que de outro modo talvez não ocorressem ; os grandes distúrbios às vezes causam certo alvoroço e acabam , enquanto os pequenos podem, vez por outra, ampliar-se impetuosamente, dependendo do que acontece no resto do sistema ''. A lógica de que ''a mesma causa produz os mesmos efeitos '', subjacente a boa parte de nossa reflexão sobre o mundo , é imprópria para apreender esse tipo de mudança e , em vez dela, deveríamos buscar inspiração em outras fontes. A atual mudança  na economia política global é uma bifurcação ---- termo cunhado há quase um século por Henri Poincaré para designar o surgimento de várias soluções a partir  de uma dada solução, em sistemas de equações diferenciais. 

K.M.

Continuo num minuto.

''Cruzada pela compreensão ''






A visão de mundo de Nixon , que pouca semelhança guardava com a que tiveram outrora Kennedy e Lyndon Johnson, era inteiramente compatível com o pensamento empresarial recente sobre a maneira de alcançar a estabilidade mundial. Foi rejeitada a opinião de J. Edgar Hoover sobre a URSS. O Krêmlin era (na verdade !) composto não de conspiradores internacionais, mas de gerentes pragmáticos, muito mais interessados em defender suas fronteiras, desenvolver sua própria economia de consumo e controlar a própria população do qu insuflar revoluções em outros países. Prevalece tbm uma opinião mais nova e mais relaxada sobre como tratar as sociedade subdesenvolvidas. A pureza ideológica e o orgulho nacional , que constituíam o núcleo das velhas estratégias da guerra fria, são vistos hoje nas diretorias das empresas como dispendiosos demais. ''Não se deve permitir que as diferenças nacionais impeçam os povos de fazer o que é do seu interesse mútuo '', diz Henry Ford II. ''Esta é a filosofia básica das empresas multinacionais , e o mundo será um lugar melhor quando essa filosofia ganhar maior aceitação em outros aspectos do comportamento humano

K.M.
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Kalki-Maitreya31 de março de 2017 09:58

Governo , por sua vez, deveria se perguntar e responder publicamente se e como a estratégia empresarial está interferindo em sua capacidade de dirigir a economia com vistas à uma estabilidade que possibilite um crescimento mais acelerado ----- de que forma isso pode afetar o pleno emprego ,que já é quase uma realidade de acordo com uma certa leitura estatística oficial utilizada pelo governo passado, masque não é a única. Base fiscal em expansão, controle da inflação, e a limitação do oligopólio e da concentração parasitária

K.M.
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Kalki-Maitreya31 de março de 2017 10:16

Narrativa do preço do petróleo se constrói e desconstrói quase que diariamente no mundo, os governos blefam demais.
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Kalki-Maitreya31 de março de 2017 11:43

A bem financiada ''cruzada pela compreensão ''

A ''poderosa contra-ofensiva da comunidade empresarial ''

A ''poderosa contra-ofensiva da comunidade empresarial '' é a resposta ao ceticismo público . Homens de negócios perdiam antigamente apenas para os líderes religiosos nos inquéritos de opinião pública como ''o tipo humano que mais faz pelo país ''  ... mas nos últimos tempos a concepção de que a atividade mais famosa dos grupos de pressão é a distribuição de dinheiro cresceu na percepção do público em função dos embates nacionalistas inter-continentais. Por isso eu só reflito sobre casos de um passado histórico minimamente distante, como o da ITT . Típica empresa que não hesitava em ir até o alto quando queria alguma coisa ; chegaram a informar o governo Nixon que haveria 400 000 dólares para sua campanha se o governo se mostrasse sensato em sua política anti-truste no que dizia respeito à sua companhia. Para não correr risco, Harold Geneen interveio pessoalmente , noticiou a Business Week , junto apelo menos três membros do gabinete , pelo menos outros tantos importantes auxiliares da Casa Branca e um pelotão de influentes congressistas e senadores ''para se queixar das graves consequências '' que poderiam advir de uma ação anti-truste.

K.M.

Sobre o protecionismo norte-americano.

Contrariando as previsões de Hilferding , esse tipo de estrutura empresarial surgida nos Estados Unidos ---- em vez do capitalismo monopolista de Estado ao estilo alemão ---- tornou-se a base efetiva de um novo estágio do capitalismo em escala mundial. A ascensão do capitalismo de corporações norte-americano à posição de dominação mundial foi um aspecto do processo de transformação da competição intercapitalista, tal como teorizada por Hilferding. Em particular, o governo e o empresariado norte-americanos foram , desde o começo, vanguardas do movimento protecionista que acabou destruindo o sistema britânico de mercado mundial, e que levou o capitalismo mundial a se retirar nos ''iglus'' de suas economias nacionais e seus impérios associados. A imensa elevação das tarifas norte-americanas, durante a guerra  civil , foi seguida por novos aumentos, em 1883, 1890, 1894 e 1897. Embora pequenas reduções tenham sido introduzidas pelo Presidente Wilson em 1913 , elas só foram toleradas pelo Congresso enquanto a guerra reduziu a concorrência das importações estrangeiras e estimulou as exportações americanas. Tão logo terminou a guerra e surgiram os primeiros indicadores de uma recessão, a tradição protecionista norte-americana foi retomada a pleno vapor . Grandes aumentos tarifários foram aprovados no início da década de 1920 , em respostas às adversidades  comerciais,  prenunciando a astronômica tarifa de Smoot-Hawley de 1930 . Além disso, como teorizou tbm Hilferding , o protecionismo norte-americano desse período transformou , cada vez mais, num modo de compensar o dumping nas exportações com lucros extras em casa e, acima de tudo, de negociar, a partir de uma posição de força , a abertura dos mercados externos ----- acima de tudo, os mercados latino -americanos ---- às exportações e investimentos dos Estados Unidos. Ao contrário das generalizações de Hilferding, o capital financeiro norte-americano não desempenhou papel algum no incentivo ao protecionismo do país. A comunidade financeira, em particular , pregou sistematicamente  as virtudes do livre-comércio e fez tudo o que estava ao seu alcance  para induzir o governo norte-americano a se opor à destruição do mercado mundial, assumindo a liderança e a responsabilidade por essa bandeira. ''O mundo tornou-se tão interdependente em sua vida econômica , que as medidas adotas por uma nação afetam a prosperidade de outras '', escreveu um banqueiro de Wall Street e ex-sub-secretário de Estado , Norman Davis, às vésperas do de 1929 . ''As unidades da economia mundial '' , acrescentou '' devem trabalhar juntas , ou apodrecer separadamente '' (citado em Frieden )

K.M.

Diplomacia empresarial ????


Kalki-Maitreya31 de março de 2017 05:26

Em fins de 1972, David Rockefeller falou ao conselho sobre seus próprios esforços diplomáticos, de uma grande viagem pela América Latina que incluiu uma cerimônia de condecoração, televisionada para todo o país, no gabinete do Presidente da Colômbia, na presença de três ex-Presidentes. ''O Presidente disse coisas que julguei difícil a qualquer presidente latino-americano dizer a respeito de um nome tão identificado com o capitalismo ''. Observando que ''amiúde, quanto mais democrático o país, mais hostil é aos investimentos estrangeiros'', o presidente do conselho do Chase Manhattan Bank observou que isso não acontecia na Colômbia, que ele ''aparentemente'' (risos ) considerava uma democracia. Diferentes empresas observam políticas externas diferentes, dependendo de seus interesses . A Sears, por exemplo , tinha uma opinião muito menos otimista sobre a Colômbia na época do que o banco do Sr. Rockefeller. Isso pela razão óbvia, comentou mais tarde o vice-presidente da Sears, de que os bancos pouco tem a temer de um movimento em direção a uma economia mais fechada, já que podem emprestar dinheiro a governos, mas um bazar de consumidores como a Sears ganha dinheiro apenas nos locais onde floresce livre de obstáculo a iniciativa privada pura.

K.M.
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Kalki-Maitreya31 de março de 2017 05:36

Às vezes ''estar entregues aos nossos próprios meios '' significa que as empresas globais, na verdade, formulam a política externa americana em relação aos países onde operam. Isso tornou-se óbvio nos casos dos países de propriedade de companhias ,como Honduras, que pertencia à United Fruit, e a Libéria, que era feudo da Firestone. Coutadas particulares. ''Precisamos efetuar o destripamento da incipiente economia do país a fim de expandir e promover nossos objetivos. Temos que prolongar sua turbulenta vida ; o vento deve enfunar apenas nossas velas e a água molhar apenas nossas quilhas '', escreveu um gerente da United Fruit a um advogado da companhia, comentando a situação de Honduras em 1920. Em 1931, a companhia empregou bandos armados para intimidar trabalhadores grevistas. Aviões da empresa foram empregados para sequestrar líderes grevistas e levá-los para El Salvador. Rufiões a serviço da companhia destruíram a machete, nas plataformas das ferrovias, os carregamentos de bananas dos concorrentes . Em 1920 , a Firestone emprestou dinheiro ao falido governo liberiano , em troca do qual o governo concordou em aceitar um conselheiro financeiro americano, dar à companhia o controle do único banco do país e do levantamento de qualquer outro empréstimo interno e conceder-lhe a distribuição de todos os mais importantes bens de consumo de fabricação americana e européia.

K.M.
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Kalki-Maitreya31 de março de 2017 05:43

Era simplesmente absurdo falar em uma política externa americana em relação a esses países que divergisse, no mínimo que fosse, da política da United Fruit e da Firestone.

K.M.
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Kalki-Maitreya31 de março de 2017 05:49

Governo americano precisa dar mais espaço para as empresas desempenharem papéis de fato relevantes na elaboração da política externa operativa ; há muitos pontos divergentes e os argumentos de que o mercado financeiro é liberal ou politicamente definido soa deslocado nessa discussão. Forças liberalizantes, o rótulo político tanto faz na maior parte do tempo.

K.M.

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Kalki-Maitreya31 de março de 2017 05:58

A United Fruit (ou Brands) vendeu a parte de suas plantações na América Central para concentrar-se na comercialização de bananas de outros produtores sob a marca ''Chiquita '', e que é uma maneira mais lucrativa e politicamente menos delicada de fazer negócios. A Libéria liquidou seus empréstimos. Até
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Kalki-Maitreya31 de março de 2017 06:05

Até que ponto o sucesso de alguns governos americanos anteriores está associado ao poder que as grandes empresas tiveram de modelar a política do Departamento de Estado ? O Governo Nixon mudou a política de seus antecessores em 1970 quando o Conselho de Segurança Nacional aprovou um documento secreto classificado como NSSM 39 , o qual, de acordo com uma noticia que se filtrou até o The New York Times, pede ''contatos e comunicações deliberadamente ampliados com os governos brancos do sul da África'', Conquanto alguns argumentos que justificam essa mudança de política fossem estratégicos (acesso ao Oceano Índico , por exemplo ), a principal razão era ajustar a política externa à realidade que as grandes companhias americanas haviam criado há muito tempo

K.M.

O desafio da integração vertical.

Como previra Adam Smith um século antes , a intensificação das pressões competitivas inerentes ao processo de liberalização do comércio resultou na limitação dos lucros a um nível apenas ''tolerável ''. O fato de o resultado ter sido previsto não foi grande consolo para os empresários que viviam do lucro e para o lucro . E, quanto mais feroz a competição , mais eles se esforçavam por colocá-la sob controle . Como escreveu Edward S. Meade , referindo-se especificamente aos industriais norte-americanos, os empresários ''estavam cansados de trabalhar para o público ''.  ''eles querem um lucro maior, sem uma luta tão desesperada para obtê-lo '' (citado em Sklar ). Um reforço óbvio nesse esforço foi a combinação horizontal ----- a fusão de empresas , através da associação , , incorporação ou assunção do controle , usando os mesmos insumos para fazer os mesmos produtos para os mesmos mercados . Através desses tipos de combinações, as empresas concorrentes podiam reduzir umas para as outras as incertezas do mercado ; podiam colocar sua produção, suas compras e vendas conjuntas em níveis que garantissem  lucros maiores ; e podiam unir seus recursos para penetrar em mercados não regulados , desenvolver novas tecnologias e organizar suas operações de maneira mais eficiente . As fusões horizontais , no entanto, não  eram fáceis de implementar  em mercados superlotados ---- ou seja, exatamente onde eram mais necessárias ----, especialmente sem apoio dos governos . Um meio mais direto ---- porém, quando viável , mais eficaz de pôr a concorrência sob controle ----- era a integração vertical, a fusão das operações de uma empreasa com as de fornecedores e clientes ,de modo a garantir suprimentos ''ascendentes'' para a produção primária e escoamento ''descendentes '' para consumo final . As empresas de unidades múltiplas que resultavam dessa fusão ficavam em condições de reduzir os custos de transação , os riscos e as incertezas envolvidos na movimentação de insumos-produção pelos sub-processos sequenciais de produção e troca que ligavam a obtenção de insumos primários ao escoamento do produto final . ''Tornando-se rotineiras as transações entre as unidades, reduziam-se os custos das transações. Mediante a ligação da administração das unidades produtoras com as unidades de compra e distribuição, reduziam-se os custos da informação sobre mercados e fontes de abastecimento. Muito mais importante que isso, o planejamento mais eficaz dos fluxos gerava um uso mais intensivo das instalações e do pessoal empregado no processo de produção e distribuição, aumentando a produtividade e reduzindo os custos . Além disso , a coordenação administrativa proporcionava um fluxo de caixa mais seguro e um pagamento mais rápido pelos serviços prestados '' (Chandler ). A medida que os fluxos de caixa grandes e regulares , assegurados por esse tipo de centralização, foram reaplicados na criação de hierarquias de executivos de níveis alto e médio, especializados na monitoração e regulação dos mercados  e dos processos de trabalho , as empresas verticalmente integradas obtiveram vantagens competitivas decisivas, se comparadas às empresas de uma só unidade ou às empresas de muitas unidades e menos especializadas . ''Uma vez criadas , essas hierarquias tornaram-se uma barreira  muito mais sólida do que a tecnologia contra novos ingressos nas indústrias bem reorganizadas pela integração vertical '' (Chandler ) .  As tendências para a fusão horizontal e a integração vertical , acionadas pela competição intensa , generalizada e persistente dos últimos 25  anos do século XIX, desenvolveram-se de modo muito desigual  entre as comunidades empresariais dos três principais países industrializados da época : Grã-Bretanha , Estados Unidos e Alemanha . A comunidade empresarial alemã foi a que se moveu com maior rapidez e sucesso nas duas direções, dando origem ao sistema coeso de empresas comerciais que , tempos depois , Rudolf Hilferding transformou no modelo do ''capitalismo organizado ''. A comunidade empresarial britânica , em contraste, moveu-se com extrema lentidão  e pouquíssimo sucesso em qualquer das duas direções , particularmente na era da integração vertical . ''Por último, a comunidade empresarial norte-americana ficou mais ou menos a meio caminho , obtendo menos êxito do que a alemã em suas primeiras tentativas de se mover em direção às fusões horizontais , mas acabando por despontar como a mais bem-sucedida de todas na prática da integração vertical '' (Chandler ) . O padrão germânico inseriu-se inteiramente nas atividades diplomáticas e bélicas do recém-criado Reich alemão . As complicações econômicas históricas do período obrigaram o Chanceler Bismarck a intervir para proteger a sociedade alemã, de modo a ipedir que os estragos da competição irrestrita de mercado destruíssem o edifício imperial que ele acabara de construir. Ao mesmo tempo , ''a crescente convergência dos interesses agrários e industriais , que pressionavam pela proteção do governo  contra a concorrência estrangeira , deu a Bismarck algumas oportunidades singulares de usar o poder político investido no Executivo do Reich ''para garantir um novo equilíbrio de poder entre o Reich e os Estados e completar a unificação nacional , cimentando-a com laços econômicos indissolúveis '' (Rosenberg ). Ao cimentar a unidade de economia alemã e dotar o Estado alemão de um poderoso aparato militar-industrial , o governo alemão buscou ativamente a ajuda de empresas que estavam na vanguarda da industrialização progressiva da guerra e, acima de tudo,  a de seis grandes bancos . ''Esses Grosbanken haviam surgido da estrutura pessoal e interfamiliar da atividade bancária alemã , que ainda prevalecia na década de 1850 , primordialmente através da promoção e financiamento de empresas ferroviárias e firmas da indústria pesada envolvidas na construção de ferrovias'' (Tilly) Sua dominação sobre as finanças alemãs aumentou ainda mais durante a depressão da década de 1870 . ''Quando uma grande proporção de seus recursos empresariais e monetários foi liberada pela nacionalização das ferrovias, na década de 1880 , eles agiram com rapidez no sentido de controlar , integrar e reorganizar a indústria alemã , em conluio com um pequeno número de firmas industriais poderosas '' (Henderson ) . A economia interna alemã, na famosa frase de Engels , começava a se parecer a uma ''grande fábrica '' . Em nítido contraste com a Alemanha, na Grã-Bretanha ''havia pouco movimento no sentido de diferenciar a administração e a propriedade, e no sentido de alongar as hierarquias organizacionais . ''. (idem ) . Todo o sistema britânico de empresas comerciais estava aprisionado em determinada via de desenvolvimento, a qual ''não conseguia abandonar, a não ser a um custo que ultrapassava em muito os benefícios calculáveis '' (Ingham ) . Tratava-se da via de um sistema econômico voltado para fora, que trazia suas matérias-primas do mundo inteiro e dependia crucialmente de pontos de venda externos para escoar lucrativamente sua produção industrial . A especialização adicional em uma rede global de comércio não foi a única nem a principal resposta dos empresários britânicos à intensificação das pressões competitivas decorrentes da expansão do comércio mundial  em meados do século XIX. O redirecionamento dos fluxos de caixa ---- da produção voltada para a agiotagem da especulação e do investimento interno para o externo --- foi muito mais importante para determinar o eventual desfecho da crise icipiente do sistema britânico de empresas comerciais . Mas gostaria de frisar que esse sistema não gerou , a partir de seu núcleo nacional , a tendência para a integração vertical dos subprocessos de produção e intercâmbio que viria a se tornar a característica  dominante da organização empresarial  no século XX . Assim como a passagem da forma associativa para a da empresa familiar, no fim do século XVIII e início do XIX , tinha estado estreitamente relacionada com um deslocamento espacial do epicentro dos processos sistêmicos de acumulação de capital , que saíra das Províncias Unidas para o Reino Unido , tbm a passagem da forma da empresa familiar para as corporações, no fim do século XIX e início do XX , esteve estreitamente ligada a uma deslocamento espacial análogo do Reino Unido para os Estados Unidos. Foi nos Estados Unidos que a tendência para a integração vertical se desenvolveu de maneira mais plena e com maior sucesso. A tentativa de controlar as pressões competitivas do fim do século XIX fez os Estados Unidos seguirem a mesma direção da Alemanha, ou seja, a caminharem para formar fusões horizontais , restringindo a concorrência e ampliando a dominação de um pequeno grupo de instituições financeiras privadas que haviam crescido através de investimentos em companhias ferroviárias e empresas industriais correlatas. ''Nos Estados Unidos,  porém , a maioria dessas associações nacionais havia deixado de atingir seus objetivos muito antes de elas serem declaradas ilegais, em 1890, pela Lei Anti-truste de Sherman . E a dominação das instituições financeiras nunca foi muito além da construção e operação de sistemas ferroviários '' (Chandler ).Nas décadas de 1880 e 1890, a mudança nas estruturas das empresas alemãs e norte-americanas começou a divergir radicalmente. Em ambos os países, a centralização do capital ganhou impulso . Na Alemanha, as oportunidades de buscar a integração vertical esgotaram-se com rapidez, e o principal impulso de centralização do capital deu-se nas fusões horizontais '' (Landes ) . Nos Estados Unidos, ao contrário ,o grande impulso da centralização do capital  passou a ser a integração vertical. como frisou ainda Alfred Chandler , as fusões  horizontais --- ineficientes , impopulares e , a partir de certos momentos, ilegais  ---- foram abandonadas . As firmas comerciais, de ramos que iam dos cigarros e da carne enlatada  até equipamento de escritório e máquinas agrícolas, procuraram integrar em seus campos  organizacionais os subprocessos sequenciais da produção e do intercâmbio .  Todas as fases, desde a obtenção de insumos primários até o escoamento dos produtos finais , foram interligadas em uma única empresa. A maior velocidade com que os insumos primários podiam ser transformados em produtos finais pelas empresas verticalmente integradas permitiu que essas empresas reduzissem os custos e aumentassem a produção por trabalhador e por máquina , em um ritmo mais rápido e em maior grau do que as empresas de uma só unidade ou as empresas de muitas unidades e menos especializadas. A medida que os grandes e regulares fluxos de caixa gerados por essas ''economias de velocidade '' foram reinvestidos na criação de hierarquias de executivos de níveis alto e médio , especializados na monitoração e na regulação de mercados e processos de trabalho , as vantagens competitivas das empresas verticalmente integradass aumentaram ainda mais. O resultado foi um crescimento e disseminação  rápidos da nova estrutura organizacional . ''Essas empresas integradas passaram a dominar muitas das indústrias norte-americanas mais vitais em menos de três décadas '' (Chandler )  . ''O crescimento não se restringiu ao mercado interno norte-americano . As empresas  dos Estados Unidos tornaram-se multinacionais quase imediatamente depois de concluir sua integração continental'' ( Hymer ) . Em 1902, os europeus já falavam em uma ''invasão americana '' e, em 1914 , os investimentos diretos norte-americanos no exterior corresponderam a 7 % do PIB dos Estados Unidos. A mesma porcentagem de 1966 , quando os europeus voltaram a se sentir ameaçados pelo ''desafio americano '' (Wilkins ).

K.M. 

quinta-feira, 30 de março de 2017

Economias nacionais ''extrovertidas '' e as ''auto-centradas '

Kalki-Maitreya30 de março de 2017 10:29

Nos sistemas monetários anteriores , inclusive o britânico, os circuitos e redes de altas finanças tinham sido firmemente controlados por banqueiros e financistas privados, que os organizavam e administravam para obter lucros. O dinheiro existente no mundo , portanto , era um subproduto de atividades com fins lucrativos . No sistema monetário mundial criado em Bretton Woods, em contraste, a ''produção '' do dinheiro mundial foi assumida por uma rede de organizações governamentais, primordialmente movidas por considerações de bem-estar, segurança e poder --- em princípio, o FMI e o Baco Mundial e, na prática, o Sistema da Reserva dos Estados Unidos, agindo em concerto com os bancos centrais dos aliados mais íntimos e mais importantes do país. O dinheiro mundial tornou-se um subproduto de atividades de gestão de Estado. Como disse Henry Morgenthau em 1945 ''A segurança e as instituições monetárias da nova ordem mundial eram tão complementares quanto as lâminas de um tesoura (citado em Calleo e Rowland , 1973)

K.M.
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Kalki-Maitreya30 de março de 2017 10:35

Roosevelt e Morgenthau , como certa vez se vangloriou este último, realmente lograram transferir o controle da liquidez mundial das mãos de particulares para as de governos, e de Londres e Wall Street para Washington , Bretton Woods foi uma continuação , por outros meios, do rompimento anteiror de Roosevelt com a haute finance. Apesar da formação internacionalista de Roosevelt , qu incluía o grande trabalho de Wilson e o apoio da Liga das Nações , o alvo principal de seu New Deal era libertar a politica norte-americana, voltada para a recuperação econômica nacional ,
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Kalki-Maitreya30 de março de 2017 10:41

O papel daGrã-Bretanha fora o de uma economia líder, plenamente integrada no sistema econômico mundial e, em grande medida,possibilitadora de seu funcionamento exitoso, graças à dependência britânica do comércio exterior, à influência generalizada de suas instituições comerciais e financeira s , e tbm à coesão fundamental entre sua política economica nacional e a que era exigida para a integração econômica do mundo. Em contraste, os Estados Unidos são uma economia dominante, apenas parcialmente integrada no sistema econômico mundial

K.M.
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Kalki-Maitreya30 de março de 2017 10:57

Uma economia dominante,apenas parcialmente integrada no sistema econômico mundial e, em grande medida, possibilitadora de seu funcionamento exitoso
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Kalki-Maitreya30 de março de 2017 11:12

A essência da distinção é correta sim .Ela corresponde à distinção --- introduzida com objetivos totalmente diversos por Samin Amin ---- entre as economias nacionais ''extrovertidas '' e as ''auto-centradas ''. No esquema de Amim, as economias dos países centrais são ''auto-centradas '', no sentido de que seus elementos constitutivos (setores de produção , produtores e consumidores ,capital e trabalho , etc ) estão organicamente integrados numa única realidade nacional,, em nítido contraste com a extroversão (a unidade dos elementos que a compõem ) não é apreensível dentro do contexto nacional --- essa unidade é rompida e só pode ser redescoberta em escala mundial (Amin )

K.M.
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Kalki-Maitreya30 de março de 2017 11:19

Em meu esquema , a distinção entre economia nacional extrovertida e uma autocentrada é extremamente útil na identificação de uma diferença fundamental de estrutura, não entre economias centrais e periféricas, mas entre o regime de acumulação britânico do século XIX e o regime norte-americano que o sucedeu. No regime norte-americano a natureza autocentrada da economia nacional dominante e líder ( a norte-americana ) tornou-se a base de um processo de ''internalização'' do mercado mundial, no âmbito organizacional de corporações empresariais gigantescas , enquanto as atividades econômicas nos Estados Unidos continuaram organicamente integradas numa realidade nacional única, em grau muito maior do que jamais tinham estado na Grã-Bretanha do ´seculo XIX.

K.M.
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Kalki-Maitreya30 de março de 2017 11:50

A variante de capitalismo de corporações que emergiu nos Estados Unidos durante a GRande Depressão de 1873-96 consistiu num desvio muito mais eficaz e radical no regime britânico e capitalismo de mercado do que a variante surgida na Alemanha, mais ou menos na mesma época. Os dois tipos de capitalismo de corporações evoluíram como uma reação à competição excessiva e às perturbações que advinham do processo de formação do mercado mundial centrado no Reino Unido. A variante alemã apenas ''suspendeu '' esse processo, a norte-americana realmente a superou .

K.M.
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Kalki-Maitreya30 de março de 2017 11:55

O mercado tem uma única promessa para a empresa comercial; Trata-se da promessa de mais dinheiro. Quando a empresa não tem influência sobre seus preços , ela não tem opções quanto às metas que persegue. Tem que tentar ganhar dinheiro e, por uma questão prática, tem que tentar ganhar o máximo de dinheiro possível. Não conseguir amoldar-se a isso não é uma opção (Galbraith )
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Natureza essencialmente colaborativa

A Poíesis possui uma natureza essencialmente colaborativa, sobretudo naqueles aspectos que comprovam a dialética entre as forças políticas e econômicas de nosso presente. Daí que até etimologicamente esse termo grego signifique ''produção'' ou ''fabrico'' . Mas na verdade, o que pretendo apontar são as presenças eleitas que tantos criadores  constroem em si  próprios ou no interior de suas obras, os companheiros de viagem, professores, críticos , parceiros dialéticos e autoridades , e todas aquelas outras vozes que murmuram sob as suas, e que são capazes de conferir até ao mais complexamente solitário e inovador dos atos criativos a experiência de uma trama compartilhada e coletiva. 

K.M.

MORDAÇA CONSOCIALISTA

Há pouco mais de duas décadas o mundo ocidental assistiu a uma proliferação de episódios de ''escolha constitucional '' ou transformações parciais de desenho de novas constituições. Estabelecendo um paralelo entre as três ondas democráticas identificadas por Huntington (1828-1926 , 1943-75 e 1989 ). A primeira corresponde à difusão do modelo constitucional da Revolução Francesa --- que introduziu a primeira constituição democrática do período moderno ---- para alguns países europeus . A segunda onda se inicia com o processo de consolidação democrática provocado pela introdução do sufrágio universal e pela abolição das prerrogativas monárquicas e oligárquicas ainda presentes em vários países europeus até a Primeira Guerra Mundial . A terceira onda corresponde ao processo de restauração democrática nos países fascistas da Europa e ao processo de colonização no terceiro mundo. A quarta onda corresponde ao período que se inicia com o colapso dos regimes comunistas em 1989. A delimitação histórica dessa última onda merece reparos, porque os desenvolvimentos no Leste Europeu foram precedidos em muitos casos pelo processo de democratização na América Latina . Como amplamente analisado na doutrina sobre transição democrática , o processo de democratização nesses  países teve como ingrediente fundamental a feitura de novas constituições . Em segundo lugar , o colapso dos antigos regimes comunistas no Leste Europeu e URSS. Nesses países onda as transformações implicaram uma tripla transição  ---- no regime econômico , na sociedade civil e no regime político ----os processos de escolha constitucional  assumiram uma ''natureza radical '' . Ademais, nesses países , o mapa político foi redesenhado e novas unidades políticas autonomia , o que levou a um processo vigoroso --- e quiçá inédito na história ---- de construção institucional e constitucional . Em terceiro lugar , mesmo em países que exibiam grande estabilidade política, o debate constitucional adquiriu grande centralidade , enquanto novas constituições foram introduzidas onde  não existiam , ou amplamente revisadas . A nova constituição neozelandesa de 1986 exemplifica a primeira variante .  Entre 1974 e 1987 metade das cerca de  160 constituições em vigor foram revisadas . após essa data reformas importantes ocorreram, como a reforma constitucional belga de 1989 . No quadro europeu, dois processos alimentaram o debate constitucional : a descentralização política e administrativa e a formação da União Européia . Esses amplos processos tem fortes implicações constitucionais , na medida em que levam à criação de novos níveis de governo ou legislativos regionais .  A ressurgência do próprio conceito de federalismo no debate político europeu ainda se alimenta desse tipo de coisas . A questão da transferência de soberania implícita na formação da União Européia tbm se inscreve nesse movimento, que se pode caracterizar antes de tudo, sobretudo nos últimos anos , como de ''constitucionalização '' do debate político. Em vários países, como os Estados Unidos e o Canadá , o debate constitucional  foi alimentado por questões relativas a minorias étnicas e linguísticas, constituindo-se em um vigoroso movimento intelectual fortemente influenciado pela crítica comunitarista ao conceito liberal de direitos. Nos Estados Unidos desenvolvimentos mais ou menos recentes no campo político ---- como por exemplo o fenômeno do ''divided government, no qual o Executivo e o Legislativo foram dominados por partidos distintos ---- reforçaram o debate constitucional , onde tbm comparecem  temas como limitação do número de mandatos de parlamentares , encurtamento de mandato e recall de ocupantes de cargos eletivos . Todos esses fatores fizeram-se acompanhar de  um desenvolvimento intelectual autônomo  em torno do papel das instituições e do desenho institucional na vida política, ou mais acertadamente nas várias esferas da vida social . A despeito da crescente relevância teórica do tema, sob qualquer ponto de vista , o campo dos ''estudos comparativos '' de processos de construção constitucional  é (ao menos na minha opinião ) ''virtualmente inexistente '', apesar do rico debate contemporâneo . Enfim : uma definição econômica de uma constituição é que ela representa as regras do jogo de uma comunidade política . Uma constituição representa um conjunto de definições e prescrições relativas aos direitos dos cidadãos ; um conjunto de definições e prescrições quanto à forma de organização e funcionamento dos poderes ; e, por fim , um conjunto de regras especificando como as disposições constitucionais podem vir a ser modificadas ou emendadas . O constitucionalismo se ocupa dos dois primeiros tópicos (direitos e garantias individuais e questões relativas à separação dos poderes ) . A questão da separação ''horizontal '' de poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário ) quanto da vertical (entre níveis de governo ) , e dos ''checks and balances'' mútuos constituem um dos temas substantivos centrais  de desenho constitucional , e pontos fundamentais para a democracia enquanto regime . Mas o ponto de tensão entre democracia e constitucionalismo situa-se no último tópico  ( dos aspectos ''procedurais '' e procedimentais ) . A especificidade das constituições reside em larga medida no grau maior de ''resiliência '' ou ''inércia '' que exibe em relação às  outras leis em termos de possibilidades de alteração  de seu conteúdo substantivo . O constitucionalismo se define fundamentalmente como restrições e limites à regra majoritária, e tais limites podem ser de natureza procedimental ou substantiva . Podem referir-se a procedimentos e regras decisórias de tramitação legislativa ou podem simplesmente levar à exclusão de certas matérias do debate legislativo ordinário ao defini-las como imutáveis. Assim chefes de Estado , tribunais constitucionais e forças armadas são protegidas da competição política ---- onde se expressa a vontade da maioria ---- e preservadas independentemente dos resultados produzidos por essa competição . Os limites à regra majoritária podem tomar a forma de transferência de poder decisório a um agente externo . /exemplo emblemático desse último é quando  se introduz o preceito constitucional de ''independência '' do Banco Central. A ''rationale '' para essa decisão é que embora seja desejável  insular a política monetária do mercado político , por sua própria natureza , ela exige discrição e avaliação subjetiva . Por isso uma maioria delega constitucionalmente poderes quase despóticos a um agente extern o . Lane denomina de ''inércia constitucional '' o resultado obtido por tais instrumentos, a famosa ''rigidez constitucional '', e que Carl Schmitt denominava (ironicamente ??) de ''superlegalidade '' .Tais instrumentos representam formas de dificultar a modificação de um dispositivo constitucional .  E como instrumentos que inibem a mudança constitucional , incluem tipicamente ''reconfirmação de decisões '' de natureza constitucional  (exigências de aprovação em casas legislativas distintas ) , referenda para ratificação de tais decisões , retardamento da decisão  em matéria constitucional ( exigência de aprovação em legislaturas distintas ) , utilização de uma instância extra-parlamentar de ratificação (assembléias legislativas ) ; e utilização de maiorias qualificadas para aprovação de emendas constitucionais . A ''hora da razão '' constitucional pode estar associada aos argumentos contra às ''consequências '' da adoção de determinadas instituições ou políticas . Os atores escolhem tais instituições devido às sua ''eficiência coletiva '' (o que fica mais claro em termos do papel  das constituições como garantidoras de direitos ) . Alternativamente (n oque se afasta da explicação canônica em termos de ''escolha racional '' ) ela pode ser explicada pela adesão a um critério substantivo de justiça. A história das inovações institucionais --- como o sufrágio universal, o Welfare State, etc ---- não pode ser explicada a partir de argumentos ''consequencialistas ''. Na verdade, tais instituições, da mesma forma que os princípios constitucionais democráticos, não adquirem legitimidade e consenso devido às suas ''consequências ''. Estas são muito difíceis de serem avaliadas  precisamente , devido a efeitos não antecipados e problemas de multicausalidade na vida social . É razoável supor que uma coalizão vencedora mínima de ''perdedores '' possa vir a se formar tão logo efeitos não antecipados se manifestem . A viabilidade e a resiliência política dessas instituições de devem fundamentalmente à comunidade de valores e princípios de justiça entre os atores políticos. O Consocialismo representa um arranjo constitucional cuja ''rationale '' é da mesma natureza do Constitucionalismo. Na forma consagrada por Lipjhart nos anos 1980, como um sistema político voltado para a proteção de minorias e moderador da regra majoritária. Lipjhart  enumera exemplarmente um conjunto de traços definidores do Consocialismo : ''1 - Partilha do poder entre a maioria e a minoria (grandes coligações ) ; Dispersão do poder (pelo Executivo e o Legislativo , duas câmaras legislativas e diversos partidos minoritários ) ; Justa distribuição do poder (representação proporcional ) ; Delegação do poder (a grupos organizados territorialmente  ou não) ; e Limite formal do poder (mediate o ''veto das minorias '' ) . A ''ratinale '' para o Consocialismo é que ele representa (segundo Holmes ) uma espécie de MORDAÇA  que retira do processo político ordinário  --- ao exigir procedimentos supermajoritários ou reconfirmatórios ---- matérias tornadas socialmente controversas apenas pelos ''contorcionismos retóricos '' da mídia liberal , cuja cooperação com os grupos de interesses políticos e econômicos afins se encarrega de catalogar como ''moralmente inaceitáveis'' uma série de decisões políticas que afetam segmentos sociais que eles pretendem manipular eleitoralmente. 

K.M.

quarta-feira, 29 de março de 2017

Influência significa, inevitavelmente, CONTEXTO

Harold Bloom já enfatizou o papel desempenhado pela ''angústia da influência '' . Bloom mostrou como o movimento criativo em poesia (e em todas as artes )se articula sob pressões estimulantes, deformadoras e reativas das obras de predecessores e contemporâneos. Influência significa, inevitavelmente, CONTEXTO . As formas por meio das quais a ''ansiedade'' se projeta à frente ainda não foram exploradas. Não foi só Stendhal que postulou a evolução de um público que só estaria pronto para seus romances negligenciados cem anos após a sua morte (uma previsão que se revelou quase literalmente exata ) .Existem tbm as imagens idealizadas que escritores, compositores e pintores elaboram sobre os criadores que serão, por sua vez,  influenciados por seus trabalhos e para os quais suas obras terão um valor seminal . Em Goethe e Joyce jáse anunciam prenúncios diversos e bem definidos de todos aqueles que deverão recorrer ao Fausto ou ao Ulisses como fonte de seu próprio material, seja no espírito de analogia, reprodução, elogio ou até mesmo embate : a quarta fase da dialética é a mathese. 

K.M.

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terça-feira, 28 de março de 2017

Ponto de partida.

Acredito profundamente no poder de algumas respostas encontradas nas investigações das tendências econômicas atuais de padrões de repetição e evolução que abarcam todo o curso do capitalismo histórico como sistema mundial . Uma vez que ampliamos dessa maneira o horizonte espaço-temporal de nossas observações e conjecturas teóricas , tendências que pareciam inéditas e imprevisíveis começam a afigurar-se familiares. Talvez o ponto de partida de todos aqueles que ,como eu, acreditam na operatividade desse método, seja a famosa afirmação de Fernand Braudel , de que as características essenciais do capitalismo histórico em sua '' longue durée '' foram a flexibilidade e o ecletismo do capital , e não as formas concretas assumidas por ele em diferentes lugares e épocas: ''Permitam-me  enfatizar que aquilo que me parece ser um aspecto essencial da história geral do capitalismo : sua flexibilidade ilimitada, sua capacidade de mudança e de ''adaptação'' . Se há, segundo creio , uma certa unidade no capitalismo, da Itália do século XIII até o Ocidente atual , é aí , acima de tudo , que essa unidade pode ser situada e observada '' (F. Braudel ) .Em certos períodos, inclusive períodos longos, o capitalismo de fato pareceu ''especializar-se '' , como no ´século  XIX , quando ''se deslocou tão espetacularmente para o novo mundo da indústria '' (idem ) . Essa especialização levou ''os historiadores em geral (...) a encararem a indústria como o desabrochamento final , que teria dado ao capitalismo sua ''verdadeira identidade '' . Mas essa se mostrou uma visão de curto prazo : ''Após a explosão inicial da mecanização, o tipo mais avançado de capitalismo retornou ao ecletismo ---- a um indivisibilidade de interesses ----- como se a típica vantagem de estar no alto comando da economia , tanto hoje quanto na época de Jacques Coeur (o magnata do século XIV) , consistisse precisamente em ''não'' ter que estar restrito a uma única opção, em ser eminentemente adaptável e, por conseguinte , não especializado. '' (Braudel )

K.M.

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domingo, 26 de março de 2017

Rezeptivitat des Stoffes.

Não menos que Hegel, o que Holderlin tentou formular foi  a articulação definidora do momento criativo , do contexto temporal e do ponto no tempo no qual o poeta, o Dichter ,  estará pronto para a recepção de sua matéria ( onde Stoff carrega conotações mais específicas de ''motivo estético '' ou ''material ontológico poético '' ) . Será que acabaríamos entregues ao mesmo mundo das cartas de Keats, uma testemunha contemporânea de Holderlin  ???? Sim e não . Leats tbm estava dedicado a identificar o momento e a descrever a circunstância concentrada do surgimento e do florescimento da criação . Mas o testemunho de Keats é essencialmente narrativo . Seu testemunho imagina e encena ; a introspecção que o caracteriza é formada por uma espécie metafórica de psicologia . Holderlin  , numa estratégia típica da análise estética alemã a partir da Kritik der Urteilskraft de Kant , pretende realizar uma generalização sistemática e transformar a experiência em teoria. O espírito humano, afirma Holderlin , é ao mesmo tempo  comum a todos e específico a cada indivíduo (tais dualidades ou aparentes contradições organizaram o argumento de Holderlin numa cadência voluntariamente hegeliana e dialética ) . O espírito está habilitado (hemachtigt) a reproduzir-se em sua própria encarnação pessoal e na de outros. O poético irradia em direção ao interior e ao exterior. O problema é que por meio dessa dinâmica de interiorização  e exteriorização '' die Form des Stoffes identisches bleibt ''. É uma fórmula que deixa claro que nas relações dialéticas entre a criação e a recepção , a forma geradora , que modela o conteúdo , deve continuar resguardando sua identidade integral e originante .  Mas é essa ''conservação de perfeita energia '' que se revela insustentável . O artista ou o poeta perceberá um conflito fundamental (Wiederstreit ) entre a identidade da obra consigo mesma e suas alterações  durante o processo de expressão e recepção . A harmonia e a transformação ( como o ser e o não-ser de Hegel ) não são inseparáveis . Mas é exatamente quando o poeta ou o artista percebe esse conflito no nível mais intenso de seu desequilíbrio, quando essa divisão se torna completamente sensível (fuhlbar) que surge o momento da criatividade . É só nesse instante que o Ditcher está aberto para a Rezeptivitat des Stoffes ( recepção do conteúdo ) . É essa condição de tensão irreconciliável que, a rigor , pode dar forma ao estético . Surpreendentemente, o modelo de Holderlin antecipa ponto a ponto a identificação de Roger Session sobre a fonte da composição musical , que segundo ele consistiria na experiência imediata, para cada compositor, de ''níveis irreconciliáveis de energia '' . Se o GEIST criativo é inesgotável (unendlich ) , o que o relaciona às necessárias limitações de todos os signos articulados e executivos ???? Holderlin define a função a e finalidade da arte como die Vergegenwartung des Unendlichen (a presentificação do ilimitado, muito semelhante à filosofia blakeana do instante ) . Seu problema consiste em descobrir de que forma   o que está em movimento constante , como o pensamento e os processos vitais, pode ser trabalhado como um dado  ''pontual '' (mais uma vez, Punkt é um termo-chave ) . A atividade envolve uma contrariedade criativa, uma ''Entgegensetzung '' . O poeta opta livremente por opor-se aos clamores do não-finito. O que busca é uma mediação entre a identificação indiscriminada da criança com a integridade do mundo ----- recuperando em si as sugestões wordsworthianas do ilimitado ----- e a abstração voluntária que tende a adotar inevitavelmente uma forma expressiva mais limitada do ''momentaneamente eterno ''... Aliás, acredito que apenas René Char, entre todos os poetas modernos depois de Rimbaud e Mallarmé , tenha conseguido se aproximar com êxito  da equivalência metafórica  dessa noção intrincada mas fascinante : ''savait sourire , elle nomme, à la légère , occupe le fourneaou dans l´unité . Comment vivre sans inconnu devant soi ???................?

K.M.

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Ein Nichtanalysierbares.


Essa fascinação com a sistemática recorrência em Hegel do motivo do término tem desviado a atenção de suas análises sobre o começo e os inícios. Em qualquer totalização da temporalidade, a questão da gênese é tão essencial quanto a da consumação .Aqui , como na tradição mística ou na poesia, o fim está literalmente no começo. Os problemas lógicos e epistemológicos implicados por esse vínculo são tão relevantes para Hegel quanto o foram para Plotino . Mesmo levando-se em conta todas as dificuldades relativas ao idioma alemão e os próprios argumentos de Hegel, suas considerações sobre o Anfang, o início, na Wissenchaft der Logik estão entre as mais impenetráveis , o que torna fascinante seu enfrentamento das questões absolutas. Moderne Verlegenheit um den Anfang ( o desconforto moderno com o começo ) : tomada em relação a si mesma , a observação de Hegel poderia ser quase irônica. O que o mestre alemão questiona --- e a pergunta não é feita de forma direta com muita frequência em sua obra ---- é como pode haver um início para o conhecimento , para a Wissenchaft . A idéia de princípio contém etimológica e conceitualmente a de primórdio  . A ''forma do início '' é seu princípio... O primeiro pensamento,  uma noção profundamente hegeliana, é um ato de pensar ''aquilo que vem primeiro'' ou ''em primeiro lugar '', o panteão arquetípico e originário. Sob qualquer ótica positivista ou neurofisiológica, a sugestão de um pensamento primal, assim como de uma Ur-Wort ou da Palavra Perdida da Maçonaria, desafia toda plausibilidade. Uma noção vital à percepção histórica da interioridade humana em Hegel. Uma imediatez absoluta ----- provavelmente algo como a intuição radical de Husserl ---- caracteriza esse início de toda lógica, esse exercício primordial de ''pensar o pensamento '' . Hegel tbm o designa como ''pura presença '' , um aspecto  extremamente pertinente tanto ao tema da criação estética e da realização do principado por meio da forma, quanto do ''estado de presença'' real das culturas tradicionais e suas formulações tradicionalistas. Para nós ---- para qualquer mente humana ---- , '' pensar o começo ''significa retornar à fonte , '' proceder para trás '' no sentido mais urgente e responsável . Tocamos aqui, inclusive um motivo que é fundamental para várias elaborações metafísicas e estéticas : o da reminiscência platônica, das tentativas de Platão para elucidar o preexistente transcendental sem o qual jamais poderá haver conhecimento rigoroso ; motivo que tbm envolve as sugestões wordsworthianas e românticas da celebração de uma intuição seminal na criança e a associação dinâmica da matéria e da memória. O ''ricorso '' , o movimento oceânico que corre de certa forma para o alto , define tanto a viagem de volta para casa de Ulisses quanto o retorno do Peregrino à fonte primeira ---- ao ''batismo '' do ser  ---- na Commedia. É tbm a espiral  interior no núcleo formal  e substantivo da Recherche de Proust . Ou como afirma Hegel : o Anfangende , o ''nascente '' , nunca se separa da do Fortgang , o progresso ( ''gang '' : caminhada e movimento) no sentido da marcha da consciência ou do trabalho sendo concluído . A colocação é quase cabalística: o GEIST ''decidindo-se e entregando -se à criação de um mundo '' zu Schopfung einer Welt sich entschliessend ) deve acabar retornando, numa circularidade perfeita, para o ''unmittelbares Sein, o ser não-mediatizado . É quase certo que tal formulação é implícita à imagem , em si mesma carregada de implicações estéticas, da doutrina de Nietzsche do ''Eterno Retorno ''. Mas o que é isso ---- das Anfangende ???? ''Der Anfang ist noch Nichts , und es soll etwas werden . Der Anfang ist nicht das reine Nichts, sondern ein Nichts, von dem etwas ausgehen sol ; das Sein ist also auch schon im Anfang enthalten . Der Anfang enthalt also beides , Sein und Nichts ; ist die Einheit von Sein und Nichts , ---- oder ist Nichtsein , das zugleich Sein , und Sein , das zugleich Nichtsein ist '' . O começo é uma NADA que , por ser ''impuro '' , representa a matriz a partir da qual algo deve surgir . A existencialidade constitui um potencial fascinante no singular vigor e na inerência de uma NADA  (um Nichtsein ) que é ao mesmo tempo um Sein ou um ''ser-aí ''. A ambiguidade crucial que, para Hegel , não significa nem uma contingência nem uma deficiência gramatical, localiza-se no ist : ''o começo 'é' , por enquanto, NADA . Esse ''é '' assinala e determina sua própria presença seminal prolífica. O VAZIO É ATIVO . Ou parafraseando Carlos Castaneda : 'O vazio é o lado ativo do infinito ''. Na liturgia anglo-saxônica do senso comum e na tradição do ceticismo pragmático, costuma ser algo quase endêmico negligenciar proposições dessa espécie como mera verborragia e exemplo tipicamente teutôticos de confusão filosófica. Mas aqui de fato estamos transitando nos píncaros inacessíveis  do incogniscível , terreno muito pouco frequentado pelo discernimento absoluto . O Nichts de Hegel, a caminho de se tornar Etwas, parece perfeitamente análogo às premissas que fundamentam a astrofísica de hoje e as teorias sobre o começo do universo na cosmologia do final do século XX . E é muito comum que a ciência mundana venha revestindo com formulações matemáticas as sugestões verbais e metafóricas de uma epistemologia que a precedeu , em potência e em ato . ''O Anfang '' afirma Hegel ''segue em direção ao ser na medida em que supera (aufhebt ) ou se distancia do não-ser .Trata-se do movimento mais essencial da dialética : o da negação da negação ou da aniquilação do NADA ( o néantissement du néant, na famosa formulação de Sartre ) em qualquer ato iniciatório, genuinamente criativo . É que cada vez que tentamos imitar alguma coisa, esquecemos que essa coisa foi produzida não pela vontade de imitar , plagiar ou apropriar-se , mas por uma força ativa real com a qual podemos voltar a entrar em contato reativando seus arquétipos. O que preserva essa força no interior do desdobramento do ser é justamente essa aniquilação ou ''superação'' do NADA pela ativação dos arquétipos ---- mas os problemas que enfrentamos ao buscar expressões verbais exatas para tais conceitos representam, por si só, algo como uma emissão radioativa numa câmara de nuvens que acaba rastreando energias intensas mas imateriais. Mais uma vez, Hegel circula em torno de uma núcleo formado pela noção de ''primazia '': aquilo que constitui e energiza o começo é ''ein Nichtanalysierbares '' (algo que não pode ser analisado ). Essa concessão me parece fundamental . Muito daquilo que é fundamental no discurso teológico , filosófico e estético é ''inanalisável ''' . Essa resistência  à análise não representa uma refutação de seus valores de verdade nem de sua função indispensável nas prioridades geradoras da intuição .  Pelo contrário. A análise pode ter chegado tarde na história da consciência, e pode mesmo haver uma espécie de consenso , que deveria ser estudado com o mais escrupuloso cuidado, segundo o qual o ''analisável '' coincide (em última instância ) com o trivial . Poderíamos considerar esse Nichtanalysyierbares, ''em sua imediatez incompleta '' , como ser puro ou ''vazio total'' (das ganz Leere ) ( como a física e os postulamentos de unidades elementares sem massa nessa direção ). O vazio hegeliano acabará legando ao modernismo uma de suas mais preciosas tradições : é dele que Mallarmé derivará seu BLANC , seus ''espaços brancos '' ( a pintura não figurativa  minimalista tbm incorporará o vazio ) ; a inferência hegeliana da ''ausência '' geradora subjaz a toda retórica da desconstrução . Mesmo no irônico postulado de Derridá que sustenta que a linguagem só ganharia um sentido estável se seus signos estivessem ''dirigidos a Deus '', continua perdurando uma espécie de eco da impressionante observação de Hegel segundo a qual ''umbestrittentse Recht hatte Gott , das mi ihm der Anfang gemacht werde ( Deus deveria ter o mais inalienável direito de ser aquele com quem o começo é feito ). A fusão absoluta do ser e do nada por meio do processo do devir envolve uma contiguidade íntima entre a gênese e a extinção, entre o Entstehen e o Vergehen . Em termos ontológicos, até a criação mais esplêndida e assombrosa continua efêmera. Dessa forma, nas ''arcanas '' das meditações de Hegel sobre o começo é possível encontrar um tipo de sugestão e de figurações cuja recorrência pode ser verificada no teor imediato de experiência comum , e que acabariam se revelando especialmente fecundas ao longo da arte e da literatura moderna. Um segundo texto fundamental é o Uber die Verfahrungsweise des poetischen Geistes ( Sobre os modos de desenvolvimento do espírito poético ) de Holderlin . Um texto que apresenta semelhanças e diferenças com o pensamento de Hegel na mesma medida em que se poderia apontar semelhanças e diferenças nas relações pessoais, inicialmente simbióticas mas posteriormente problemáticas, entre dois indivíduos.  E talvez valha a pena enfatizar que mesmo que acabássemos perdendo , por algum motivo, a poesia incomparável de Holderlin , suas contribuições à filosofia das formas literárias e da hermenêutica permaneceriam um triunfo de primeira ordem .''Les jugements sur la poésie ont plus de valeur que la poésie''. Como levar a sério esta frase do Conde de Lautréamont ? Mas enquanto teimarmos em ver nela uma simples ''raillerie'' incompreensível , não perceberemos que sua verdade está inscrita na estrutura mesma da sensibilidade moderna. 

K.M.

sábado, 25 de março de 2017

Doutrina das origens absolutas.

Sociólogos, cujo sustento vem de localizar as regras de acordo com as quais a sociedade opera, e tratados sociológicos têm muito gosto em falar sobre regras dos modos mais abstratos, como se as regras sempre fossem claras, sem ambiguidades e seguidas fielmente. No decorrer de uma década de ensino, eu dei câmeras de vídeo nas mãos de meus alunos e pedi para que comprassem um jogo, com regras, nunca jogado antes, e pedi para que filmassem a si próprios, em equipes de quatro, jogando o jogo a partir do momento que abrissem o papel de embrulho que cobria a embalagem até um dos jogadores ter finalmente vencido uma primeira rodada. Em vez de me basear no que a ortodoxia sociológica dizia sobre regras sociais, fiz com que os estudantes vissem repetidamente os videotapes para descobrir exatamente o que era a atividade governada por regras em um jogo atual. Os estudantes descobriram muitos métodos usados pelos jogadores para jogar ordenadamente, mas no decorrer de quarenta de tais jogos nem um só grupo leu todas as regras ou mesmo sabia aquilo que todas as regras exigiam. Mais que isso, as regras que eles não sabiam ganharam sentido não analiticamente, pela leitura e entendimento anterior ao jogo (uma vez que fora das partidas do jogo a maior parte das regras são ininteligíveis), mas reflexivamente, testemunhando-se o que algumas regras realizavam durante uma partida atual do jogo, partida que atribuía às regras a completude de sentido e ordenação que a elas faltavam quando eram meras palavras no manual de instrução. Dessa maneira, uma variedade de temas fenomenológicos – a construção colaborativa de uma unidade de sentido, a reflexividade do entendimento, os processos reais de objetivação e estabilização de sentido durante um decurso temporal etc. – podia ser investigada não como abstrações teóricas mas como fenômenos ocorrendo naturalmente. 7 Tais fenômenos foram capazes de oferecer muito mais complexidade e detalhe sobre questões de interesse fenomenológico do que idealizações sobre regras poderiam fazer. Além disso, enquanto cientistas sociais, temos uma confiança adicional naquilo que identificamos e descrevemos quando se trata de algo derivado do nosso ver fenomenológico atual dirigido para os eventos do mundo real. Nossos achados são consistentes com a descrição de Michael Lynch acerca da diretiva etnometodológica de "dominar as práticas estudadas (em vez de simplesmente aprender a falar 'sobre' elas) e sua desaprovação total de todos os métodos estabelecidos para mapear, codificar, traduzir ou representar diferentemente o raciocínio prático dos membros em termos dos esquemas estabelecidos da ciência social" (1993, p. 274). A força desse programa de pesquisa é deixar os próprios locais nos ensinarem o que precisamos saber em vez de confiar principalmente em nossas explicações finamente verbalizadas.
Idem.
(.)
 A doutrina husserliana das origens absolutas. Que tais origens se baseiem somente na experiência do indivíduo, que nós podemos reconhecer a origem absoluta de qualquer coisa, que o sentido se origina na mente e não nos aspectos do mundo enquanto os eventos se desenrolam são todos prejuízos idealistas que devem ser abandonados. Tudo no mundo é derivativo, a racionalidade é somente um dos aspectos da produção de sentido e dificilmente o conhecimento é tão deliberativo em sua construção quanto supõe o modelo de Husserl. E, especialmente, a maior parte dos significados têm seus inícios nas vidas sociais das pessoas, e emergem dessa vida sem o tipo de autoridade que a fenomenologia constitutiva imagina.

Outro estudante de Husserl, Aron Gurwitsch, aprendeu a dar mais prioridade para a intersubjetividade que para a subjetividade: "pode-se dizer que o objeto deriva sua existência e o sentido de sua existência das experiências entrelaçadas e concatenadas intersubjetivamente; e podemos falar da 'constituição intersubjetiva' do mundo, isto é, do mundo enquanto se origina na experiência interligada intersubjetivamente" (1966, p. 432). E Gurwitsch mais tarde chegou a concluir: "é realmente minha convicção que a fenomenologia de Husserl não pode resolver os problemas da intersubjetividade, especialmente aquele da intersubjetividade transcendental, e essa é sua fraqueza" (Grathoff, 1989, p. 230). Embora possamos manter a noção husserliana vital de entendimento originário, a qual tenta preservar o local em que nosso primeiro insight em relação ao sentido, significado e verdade ocorre, precisamos abandonar suas armadilhas metafísicas e reconhecer que toda significação tem seus precedentes, e que muitos desses precedentes ocorrem nas interações sociais naturais das partes que vivem e agem juntas no espaço público. Uma vez que alargamos a sustentação de algumas dessas crenças teóricas a priori e começamos a examinar o próprio mundo na vida cotidiana, encontraremos esses momentos originários da vida inteligível quase em todos os lugares para os quais nos voltarmos...

Idem.

A idéia de evidência.

Em Meditações cartesianas, Husserl  afirma que "o conceito genuíno de ciência, naturalmente, não deve ser moldado por um processo de abstração", mas por "'imergir a nós mesmos' nos esforços científicos e operações que a eles pertencem, a fim de ver clara e distintamente o que realmente está sendo almejado" (1969a, p. 9). Isso parece próximo ao que estou recomendando. Husserl nota que aquilo que melhor identifica a ciência é que ela é um "esforço para juízos justificados", e que "o cientista pretende, não meramente julgar, mas fundar seus juízos" (1969a, p. 10-1). É certo que o ponto central da prática científica está nessa atenção contínua voltada para o potencial de fundar cada juízo a cada passo na pesquisa. Nesse sentido, "a ciência sempre pretende julgar expressamente e manter o juízo ou a verdade fixada, como um juízo expresso" (p. 11). É isso que faz de "uma prova" uma prova. Entretanto, a prova não porta seu fundamento em si própria, embora frequentemente se entenda que sim; em vez disso, essa fundamentação é uma colaboração social viva e corrente, que emerge enquanto os cientistas interagem e se comunicam entre si. Eles oferecem razões uns para os outros e uns com os outros. Sua objetividade é uma realização social e, como tal, ela pode ser estudada em seus detalhes. Husserl refere-se a tais estudos, mas são apenas alusões, e eles não são considerados como estudos mundanamente situados: "se nós avançamos dessa maneira (aqui, naturalmente, nós estamos apenas indicando o procedimento), então ao explicar mais precisamente o sentido de um fundamento ou aquele de cognição, nós chegamos imediatamente à ideia de evidência" (1969a, p. 10). Por que seria legítimo "apenas indicar o procedimento" em vez de segui-lo até aprender sobre os detalhes contingentes do lugar?

Kenneth Liberman

Somente a evidência originária é a fonte de legitimação.

"Toda cognição racional conceitual e predicativa remete à evidência. Propriamente entendida, somente a evidência originária é a fonte de legitimação" 

(Edmund Husserl).

sexta-feira, 24 de março de 2017

Reespecificação da fenomenologia de Husserl como investigações mundanamente situadas

Kenneth Liberman

Professor do Departamento de Sociologia, Universidade do Oregon, EUA. liberman@uoregon.edu

Na conclusão de A origem da geometria, Edmund Husserl tira um momento para considerar seu projeto fenomenológico em seu relevo mais geral possível e põe uma questão antropológica filosófica: "não estamos aqui ante os grandes e profundos horizontes de problemas da razão, a mesma razão que funciona em cada ser humano, o animal rationale, não importa o quão primitivo ele é?" (1970b, p. 378). Essa investigação acerca de como o Homo sapiens, o hominídeo que sabe, usa o instrumento da razão é o projeto fundamental de Husserl. Para ele, a obrigação duradoura da humanidade é aprender como pensar, um caminho que trilhamos apenas em parte, e a primeira tarefa da filosofia é dar apoio a essa investigação dos modos e métodos do emprego da razão. Em Meditações cartesianas, Husserl avalia a importante virada da razão na era de Descartes, uma virada que envolveu a descoberta das contribuições da consciência subjetiva para a ciência: "mudando seu estilo total, a filosofia realiza uma virada radical: do objetivismo ingênuo para o subjetivismo transcendental;" e aqui também o olhar filosófico de Husserl tem uma dimensão histórica: "não deveria essa tendência contínua implicar (...) para nós uma tarefa imposta pela própria história, uma grande tarefa na qual nós todos chamados para colaborar?" (1969, p. 4).

Nestas poucas páginas, eu vou esboçar a forma de um incremento contemporâneo desse projeto histórico da razão, e oferecer uma sugestão que muitos filósofos vão achar escandalosa – que o emprego daquilo que, em sua base, são métodos sociológicos pode ajudar a filosofia a descobrir e investigar os usos da razão no mundo. E eu iria ainda além e diria que se a investigação filosófica ignora o que as pesquisas etnometodológicas e fenomenológicas sociais descobriram, ela provavelmente permanecerá prisioneira no interior da vertigem de sua própria eloquência.1

Husserl começa Ideias I com a observação de que "a cognição natural começa com a experiência e permanece na experiência" (1982, p. 5), e ele contrasta essa atitude naturalmente cognitiva, confinada no interior do que é mais imanente, com a atitude transcendental, que faz da própria atitude natural um tema para exame. Eugen Fink (cf. 1995, p. 4) enfatiza que a meta científica de Husserl é aprender como pensar além de noções ingenuamente aceitas, especialmente aquelas nossas ou de nossas disciplinas. Husserl realiza isso tematizando o "como" do pensamento. Em Lógica formal e transcendental, Husserl oferece o seguinte esclarecimento de seu programa:

    Nossa intenção principal é mostrar que uma lógica dirigida diretamente para sua esfera temática apropriada, e ativa exclusivamente para conhecê-la, permanece firmemente presa a uma ingenuidade que a isola do mérito filosófico do autoentendimento radical e autojustificação fundamental, ou, o que é equivalente, do mérito de ser científica do modo mais perfeito, cuja realização é a raison d'être da filosofia, acima de tudo como teoria da ciência (1969b, p. 153).

Esses dois aspectos, "autojustificação" – que pode incluir cálculos e justificações lógicas junto com a evidência da experiência originária (Originarität) –, e "autoentendimento radical" são essenciais para o projeto fenomenológico de Husserl, apresentado como o projeto de encontrar um caminho para a razão que não eclipse o pensamento original enquanto retemos as realizações das cada vez mais finas técnicas de cálculo desenvolvidas. É vital reconhecer que o desenvolvimento de técnicas de análise deve ser acompanhado pelo olhar transcendental do "autoentendimento radical", que observa o papel da subjetividade na constituição e estabilização da inteligibilidade de nossa reflexão científica. Exige-se mais do que o "pensamento correto do lógico" para fazer nossa reflexão científica – também se exige uma capacidade para reconhecer o papel que nós mesmos efetuamos continuamente na construção do sentido do mundo que estudamos.

No decorrer de suas investigações, Husserl observou como o pensamento acaba por se prender nos limites de suas próprias teias, confundindo o que é local e ingênuo com algo mais universal, e ele concebeu métodos para descobrir o que há no mundo que poderia ter sido desconsiderado pelo emprego dos próprios métodos de conhecimento. Ele observou que alguns cientistas europeus, que "se enganaram em tomar essas fórmulas e seu sentido de fórmula pelo ser verdadeiro da própria natureza" (1970a, p. 44), e considerou uma crise que esses mesmos métodos – não por causa de alguma falha, mas devido ao seu brilhantismo – excluíssem a evidência mais original e perdessem a visão do significado mais fundamental de suas investigações: "aqui, o pensamento original que genuinamente atribui sentido a esse processo técnico e verdade aos resultados corretos (mesmo a 'verdade formal' peculiar à mathesis universalis formal) está excluído" (1970a, p. 46). Nesse sentido, a solução de Husserl é descrever penosamente e em seus mínimos detalhes as "próprias coisas" assim como elas são dadas ao pensamento. Os programas de pesquisa etnometodológico e fenomenológico social que eu endosso aqui permanecem leais a seu projeto, embora eles tenham importantes reespecificações com que contribuir.

No fundo, o método fenomenológico de Husserl se baseia em uma honestidade escrupulosa ao descrever exatamente o que é testemunhado, sem embelezamento conceitual excessivo ou distração por interesses teóricos irrelevantes: "por meio da fenomenologia, deve-se ter a coragem de aceitar o que realmente se dá a ver no fenômeno, precisamente como ele se apresenta a si próprio em vez de interpretá-lo, e de honestamente descrevê-lo" (1982, p. 257). Nós permanecemos comprometidos com essa descrição puramente eidética do que é imanente.

Se alguns aspectos da concepção de Husserl exigem reespecificações, trata-se de reespecificações que servem para revitalizar o projeto fenomenológico. Da primeira geração dos comentadores de Husserl, Maurice Merleau-Ponty estava entre os mais leais; entretanto ele identificou algumas fraquezas na predileção de Husserl por totalizações sistêmicas, na sua ênfase no indivíduo monádico e na prioridade dada ao que é formalmente conceitual em relação ao que é mais do que conceitual. Contudo, investigações conduzidas enquanto se retém as questões básicas de Husserl acerca da fundação de si próprio não podem ser consideradas um enfraquecimento do projeto husserliano. O próprio Husserl jamais considerou fixar suas descobertas em método, uma vez que ele se manteve revisando seu sistema, década após década. Merleau-Ponty escreve: "o próprio Husserl nunca obteve uma única Wesenschau [visão de essência] que ele mesmo não retomasse subsequentemente e a retrabalhasse, não para repudiála, mas para fazê-la dizer o que de início ela ainda não havia dito" (1968, p. 116). Uma vez que o próprio Husserl continuou reespecificando seu projeto, seria temerário para nós congelar a fenomenologia numa forma final obtida por volta de 1938, que desaprovaria nossas próprias reespecificações leais a ele. Durante uma conferência em Memphis sobre "Husserl e Derrida", após Derrida oferecer sua própria reespecificação de um tema husserliano, um conhecido fenomenólogo começou a censurar vários aspectos da obra de Husserl. Derrida o parou um instante e então alertou com vigor o colega de que nada do que ele realizou teria sido possível sem aquilo que aprendeu de Husserl. Dessa forma, eu também permaneço leal às questões de Husserl, ainda que não às suas respostas.

A fenomenologia de Husserl nos demanda olhar por trás de nossa absorção ingênua no mundo para examinar a natureza e o papel exercido pelo pensamento que organizou, e mantém organizada, a inteligibilidade desse mundo. Husserl sugere, "o geômetra, por exemplo, não pensará em explorar, além das formas geométricas, o pensamento geométrico" (1969b, p. 36), e ele insiste em tematizar esse pensamento ao escrutinar as operações da subjetividade ali constituidora de sentido em seus mais finos detalhes. De acordo com a concepção husserliana da ciência, sem esse autoentendimento radical não pode haver ciência. E esse autoentendimento necessariamente exige um encontro claro, "purificado" (daquilo que contamina a imanência), com a "evidência original" (1969b, p. 154), ou, tal como afirma em As conferências de Paris, "é o espírito da ciência não contar nada como realmente científico que não pode ser completamente justificado pela evidência. Em outras palavras, a ciência pede provas por referência às próprias coisas e fatos, tal como eles são dados na experiência e intuição atuais" (1970c, p. 6). Deve-se notar que a ênfase na objetividade é aqui tão grande quanto a ênfase na subjetividade; de fato, o interesse primário de Husserl é no objeto. Mas o objeto é sempre um objeto entendido subjetivamente, e qualquer ciência que nega, a priori, a subjetividade que ali de fato atua está só caricaturalmente sendo objetiva. Não há objetividades objetivas, apenas objetividades subjetivas, o que Husserl descreveu já nas Investigações lógicas como "a completa automanifestação do objeto" (1970c, p. 765).2 A esfera a priori da razão pura não nos levará até a verdade, que requer a evidência [Evidenz] do mundo. "Toda cognição racional conceitual e predicativa remete à evidência. Propriamente entendida, somente a evidência originária é a fonte de legitimação" (Husserl, 1982, p. 339).

A tematização do subjetivo, a "crítica transcendental da cognição", é uma "crítica das fontes constitutivas das quais o sentido posicional e a legitimidade da cognição se originam" (Husserl, 1969b, p. 171). Aqui, Husserl nos oferece uma das suas definições da fenomenologia: "a tematização do subjetivo – mais distintamente: do constitutivo-intencional –, uma tematização cuja função essencial ainda deve ser clarificada, deve, portanto, ser designada como fenomenológica" (1969b, p. 173-4). Nós ainda nos ocupamos com investigações cuja meta é avançar essa clarificação, e é isso o que faz de nós fenomenólogos. Mas, em nosso percurso, tivemos que nos despojar de algumas predisposições idealistas de Husserl.

Acima de tudo, Husserl estava preocupado em evitar o perigo que a reificação põe para o pensamento claro, e ele buscou métodos e procedimentos que ajudam o pensamento a manter a si próprio aberto para o que é mais importante para ser pensado: o que ainda não é conhecido (cf. Liberman, 2007). Dogmatismos de qualquer tipo devem ser evitados, quer da filosofia, quer da ciência. Tal como Merleau-Ponty formulou, o autoentendimento radical alerta o pensamento para não reduzir sua abertura ao mundo nem "reduzir antecipadamente nosso contato com o Ser às operações discursivas nas quais nos defendemos da ilusão" (1968, p. 39), não sacrificar o insight em prol da certeza estreita. Ao fazer nosso conhecimento consistente, claro e distinto, não devemos esquecer de ver; a alternativa é um dogmatismo da reflexão com o qual "a filosofia acaba no momento em que começa" (p. 39). E entretanto isso poderia descrever muito da filosofia e muito da ciência que conhecemos, inclusive muito da nossa própria.

Talvez o maior conselho recebido de Husserl é que a coerência dos objetos que investigamos vem da unidade de sentido que nós moldamos para isso. As investigações de Husserl sobre como uma unidade de sentido é coordenada e sustentada nos proveram algumas das nossas melhoras diretivas de pesquisa. Ele descreveu cuidadosamente como as intenções multi-irradiadas de qualquer investigação, no decorrer de seu decurso temporal, tornam-se objetivas em um ato monotético (Husserl, 1982, p. 286), de modo que se pode (primeiramente) retê-lo em nossa própria memória e reflexão e (em seguida) comunicá-lo satisfatoriamente para o grupo de investigadores científicos com os quais colaboramos. Uma vez que essas intenções multi-irradiadas são reduzidas a um raio único, o horizonte de investigação se estreita e uma aceitação habitual começa a se tornar aparente, a qual facilita o trabalho de síntese conceitual mas arrisca-se a perder a visão do fenômeno.

    O método desenvolvido, o preenchimento progressivo da tarefa, é, como método, uma arte que é transmitida com ele; mas seu sentido verdadeiro não é necessariamente transmitido junto com ele. E é precisamente por essa razão que uma tarefa e realização teóricas como aquelas da ciência natural (ou qualquer ciência do mundo) – que só pode dominar a infinidade de seu tema pelas infinidades do método [i. e., a busca infinita de seu método], e só pode dominar essas últimas infinidades por meio de uma atividade e de um pensamento técnicos que são vazios de sentido – só pode ser e permanecer significativa em um sentido original e verdadeiro se os cientistas desenvolverem em si próprios a habilidade de retroquestionar o sentido histórico de todas as suas estruturas de sentido e métodos, isto é, o sentido histórico de seu estabelecimento primordial, e especialmente o sentido dos sentidos herdados que se tornaram desapercebidamente dominantes nesse estabelecimento primordial, assim como aqueles que se tornaram dominantes posteriormente (Husserl, 1970a, p. 56).

Não há espaço aqui para retomar as investigações de Husserl dos fenômenos noético e noemático e suas mútuas relações, mas essas investigações fenomenológicas vitais servem como o protótipo do nosso entendimento de como organizamos a inteligibilidade dos fenômenos e de como o pensamento se torna consciente de si próprio. O noema (aquilo que é significado) não constitui ativamente objetos, mas facilita a constituição do sentido ao coletar os produtos dos nossos atos de consciência de um modo que os mantém reflexivamente concentrados e capazes de tornar nosso entendimento mais profundo. Adorno descreve o noema como algo "ligado à intenção isolada, a qual o encontra" como "um dirigir-se ensombreado a essa coisa" (1982, p. 175); é o objeto impondo-se ao pensamento enquanto o pensamento está engajado em encontrar-se a si próprio. O noema, e também os nomes e conceitos aos quais ele dá ocasião, são as ferramentas com as quais a formação de sentido [Besinnung] trabalha na determinação do sentido, e então na estabilização dessas determinações ante as Gestalten e semióticas continuamente mutáveis do mundo real. Embora Husserl tenha reconhecido a importância das relações intersubjetivas nesse conhecimento, suas investigações foram, de modo excessivo, mantidas exclusivamente individualistas, um vestígio das práticas epistemológicas do Iluminismo europeu, incluindo suas encarnações cartesiana e leibniziana. Ainda assim, Husserl põe em movimento todos esses insights no contexto de sua descrição do tempo imanente da consciência, de modo que suas observações epistemológicas não foram congeladas fora do tempo, mas mantidas in situ enquanto elas funcionam no curso das atividades reais.

Etnometodólogos aprenderam que essas atividades de encontrar sentido, estabilizá-lo e objetivá-lo3 são sociais desde seu início. A explicação segundo a qual cada indivíduo, separadamente, elabora um entendimento e então o partilha como parte de uma interconcatenação de entendimentos subjetivos é uma lenda do folclore europeu; as coisas ocorrem dessa maneira somente em raras circunstâncias. Em vez disso, o pensamento é uma atividade pública (cf. Liberman, 2004), e os processos de formação de sentido [Sinnbildung] são menos deliberados e conceituais do que muitos epistemólogos gostariam. A assunção dessas investigações acerca da formação de sentido enquanto situada no mundo atual é aquilo a que os etnometodólogos se referem como "estudos", e eles se guiam por aquilo que está por ser descoberto no mundo. É claro que o trabalho mundano de desvelamento do mundo da vida é ele mesmo guiado por intuições categoriais que em grande parte funcionam do modo que Husserl descreveu, mas essas categorias são desenvolvidas socialmente. Não podemos descobrir nada, pensar nenhuma coisa, sem usar categorias que organizam esse pensamento e pesquisa; e essas categorias são submetidas à produção social e às forças sociais. Mas aqui há dificuldades, pois o emprego dessas próprias categorias que proveem ordem pode, simultaneamente, obscurecer a originalidade de nosso pensamento. Dessa forma, a questão fenomenológica (a questão fenomenológica de Husserl) se torna: como nós usamos e precisamos da intuição categorial? Mas é menos útil responder a essa questão abstratamente do que descobrir a intuição categorial em ação no mundo real, e é aqui que a etnometodologia começa. Nós temos que investigar, escrutinando questões mundanamente reais, exatamente quais são os caminhos pelos quais as categorias do pensamento ajudam a experiência, e também exatamente quais são os caminhos pelos quais nós podemos evitar que nossa categorização obscureça o objeto que pretendemos conhecer. Pois as categorias fazem necessariamente ambas as coisas, e as fazem conjuntamente. Dessa forma, a estratégia de pesquisa recomendada aqui é encontrar os químicos trabalhando em seus laboratórios, localizar e observar as pessoas usando regras ao jogar, testemunhar os testemunhos reais em um tribunal etc. Isto é, trata-se de investigar a atribuição de sentido olhando não para ocasiões imaginadas, mas para ocasiões atuais nas quais o sentido está sendo atribuído.

Isso é consistente com a duradoura insistência de Husserl em retornar à experiência original e às próprias coisas. Entretanto, Husserl clamava por um tal retorno muito mais frequentemente do que ele mesmo visitava os lugares atuais de atribuição de sentido. James Dodd confirma a intenção de Husserl ao nos lembrar de "uma ênfase não somente no tema do sentido ou significado, mas acima de tudo no lugar e na importância da experiência (...) em que apreendemos algo como "ele mesmo", em seu "sentido genuíno" (2004, p. 3). Nesse sentido, a fenomenologia excede a semiótica à medida que não somente lida com os mecanismos pelos quais o sentido é reunido e preservado – isto é, sentido como seu tema – mas também se dedica ao trabalho prático de obter insights pelos quais o sentido genuíno de um objeto é testemunhado e assumido. A consequência importante é que o interesse da fenomenologia está tanto no objeto quanto no sujeito, e "se aplica tanto à subjetividade quanto ao mundo" (Dodd, 2004, p. 214).

Theodor Adorno, um filósofo que se tornou sociólogo e escreveu seu primeiro livro acerca da fenomenologia de Husserl, enfatizou que a tarefa fenomenológica é atribuir ao objeto o que lhe é devido, em vez de se contentar com a falsa cópia obtida por meio de nossas representações. Adorno oferece um programa para integrar sujeito e objeto não unindo-os falsamente mas descobrindo-os no mundo, onde os aspectos objetivos e subjetivos são encontrados juntos. Adorno usa a ilustração da troca de bens: "ambos os atos [subjetivo e objetivo] convergem na moeda de troca, em algo pensado subjetivamente e ao mesmo tempo válido objetivamente, em que a objetividade do universal e a definição concreta dos sujeitos individuais se opõem, de maneira irreconciliável, precisamente chegando a ser comensuráveis" (1973, p. 316). Isto é, em vez de resolver a antinomia do sujeito e objeto por autoridade teórica formal, Adorno busca um caso mundano perspícuo, em que o problema é resolvido como parte do curso natural das coisas.4 Se o subjetivo é facilmente removido nas abordagens científicas do mundo objetivo, ele é de algum modo mais evidente nos ambientes atuais do mundo real. Adorno lamenta que essa objetividade real seja perdida pelos teóricos: "a agitação científica positivista rompe, nos homens, o hábito de experimentar a objetividade real à qual estão submetidos" (1973, p. 300-1). Apenas o próprio objeto pode garantir objetividade. Tal como Husserl comentava, "o objeto não é meramente visado, mas no sentido mais estrito dado" (1970c, p. 765); contudo, antes, é preciso localizá-lo! Precisamos rastrear a ratio enquanto engajada no mundo, e requeremos mais do que o mundo limitado propiciado pelas ilustrações favoritas de Husserl, a "árvore" e o "vermelho". Serão necessários alguns "estudos" contínuos dos fenômenos mundanamente reais no decurso de suas atividades mundanamente reais in situ. É aqui que se recorre a alguma ajuda sociológica; se nossas reflexões se tornam excessivamente mundanas, é apenas porque nossos mundos são também muito mundanos. Além disso, eles são muito mais complicados que a "árvore" e a cor "vermelha" que Husserl considerava; esses exemplos podem ter servido como uma heurística inaugural, mas é hora de a fenomenologia amadurecer para considerar as atividades de formação de sentido em sua complexidade natural.

Em Meditações cartesianas, Husserl sugere justamente esse tipo de virada. Ele afirma que "o conceito genuíno de ciência, naturalmente, não deve ser moldado por um processo de abstração", mas por "'imergir a nós mesmos' nos esforços científicos e operações que a eles pertencem, a fim de ver clara e distintamente o que realmente está sendo almejado" (1969a, p. 9). Isso parece próximo ao que estou recomendando. Husserl nota que aquilo que melhor identifica a ciência é que ela é um "esforço para juízos justificados", e que "o cientista pretende, não meramente julgar, mas fundar seus juízos" (1969a, p. 10-1). É certo que o ponto central da prática científica está nessa atenção contínua voltada para o potencial de fundar cada juízo a cada passo na pesquisa. Nesse sentido, "a ciência sempre pretende julgar expressamente e manter o juízo ou a verdade fixada, como um juízo expresso" (p. 11). É isso que faz de "uma prova" uma prova. Entretanto, a prova não porta seu fundamento em si própria, embora frequentemente se entenda que sim; em vez disso, essa fundamentação é uma colaboração social viva e corrente, que emerge enquanto os cientistas interagem e se comunicam entre si. Eles oferecem razões uns para os outros e uns com os outros. Sua objetividade é uma realização social e, como tal, ela pode ser estudada em seus detalhes. Husserl refere-se a tais estudos, mas são apenas alusões, e eles não são considerados como estudos mundanamente situados: "se nós avançamos dessa maneira (aqui, naturalmente, nós estamos apenas indicando o procedimento), então ao explicar mais precisamente o sentido de um fundamento ou aquele de cognição, nós chegamos imediatamente à ideia de evidência" (1969a, p. 10). Por que seria legítimo "apenas indicar o procedimento" em vez de segui-lo até aprender sobre os detalhes contingentes do lugar?

Em A crise das ciências europeias, Husserl considera o tema da geometria que foi dado pela tradição a Galileu, e enfatiza que Galileu estava sempre direcionado para os objetos reais do mundo físico, e, entretanto, os substituiu pelas "puras idealidades" com as quais os geômetras contemporâneos estão ocupados. Husserl escreve: "nós notamos que ele, o filósofo natural e pioneiro da física, não era ainda um físico no sentido atual; seu pensamento não se move, como aquele de nossos matemáticos e físicos matemáticos, na esfera do simbolismo, distante da intuição" (1970a, p. 24). Galileu, em Pisa, pode ter se engajado nas consequências teóricas da teoria aristotélica do movimento, mas isso não é o essencial de seu trabalho; em vez disso, a descoberta da práxis dos ambientes experimentais, o modo como as investigações encarnadas podem ser conduzidas – e tornadas o coração da física, enquanto ciência dessa práxis – foi a realização de Galileu. Filósofos da ciência podem atualmente empregar métodos sociológicos de pesquisa para capturar5 e descrever os passos e procedimentos práticos que grupos de físicos (ou de qualquer outra área) usam para domesticar seus experimentos científicos. Pesquisadores podem empreender uma análise refinada do trabalho vivido da produção e organização de sentido enquanto ele é tema para os cientistas atuantes, passo a passo.

Eu citei acima Lógica formal e transcendental, em que Husserl roga para que estudemos o pensamento geométrico bem como as formas geométricas, sobre os quais ele insiste em que "nossa própria experiência e suas produções" (1969b, p. 119) devem ser tematizadas. Etnometodólogos desejam aprimorar essa proposta ao sugerir que examinar o pensamento geométrico no abstrato, ou no contexto de reflexões imaginárias sobre o que Galileu estava realmente fazendo, é insuficiente – nós precisamos examinar as experiências atuais dos geômetras reais completamente engajados em seus locais de trabalho, e então estudar o trabalho de constituição de sentido tal como realmente ocorre no interior da prática científica.6

Deixe-me oferecer aqui a primeira de duas ilustrações. Sociólogos, cujo sustento vem de localizar as regras de acordo com as quais a sociedade opera, e tratados sociológicos têm muito gosto em falar sobre regras dos modos mais abstratos, como se as regras sempre fossem claras, sem ambiguidades e seguidas fielmente. No decorrer de uma década de ensino, eu dei câmeras de vídeo nas mãos de meus alunos e pedi para que comprassem um jogo, com regras, nunca jogado antes, e pedi para que filmassem a si próprios, em equipes de quatro, jogando o jogo a partir do momento que abrissem o papel de embrulho que cobria a embalagem até um dos jogadores ter finalmente vencido uma primeira rodada. Em vez de me basear no que a ortodoxia sociológica dizia sobre regras sociais, fiz com que os estudantes vissem repetidamente os videotapes para descobrir exatamente o que era a atividade governada por regras em um jogo atual. Os estudantes descobriram muitos métodos usados pelos jogadores para jogar ordenadamente, mas no decorrer de quarenta de tais jogos nem um só grupo leu todas as regras ou mesmo sabia aquilo que todas as regras exigiam. Mais que isso, as regras que eles não sabiam ganharam sentido não analiticamente, pela leitura e entendimento anterior ao jogo (uma vez que fora das partidas do jogo a maior parte das regras são ininteligíveis), mas reflexivamente, testemunhando-se o que algumas regras realizavam durante uma partida atual do jogo, partida que atribuía às regras a completude de sentido e ordenação que a elas faltavam quando eram meras palavras no manual de instrução. Dessa maneira, uma variedade de temas fenomenológicos – a construção colaborativa de uma unidade de sentido, a reflexividade do entendimento, os processos reais de objetivação e estabilização de sentido durante um decurso temporal etc. – podia ser investigada não como abstrações teóricas mas como fenômenos ocorrendo naturalmente. 7 Tais fenômenos foram capazes de oferecer muito mais complexidade e detalhe sobre questões de interesse fenomenológico do que idealizações sobre regras poderiam fazer. Além disso, enquanto cientistas sociais, temos uma confiança adicional naquilo que identificamos e descrevemos quando se trata de algo derivado do nosso ver fenomenológico atual dirigido para os eventos do mundo real. Nossos achados são consistentes com a descrição de Michael Lynch acerca da diretiva etnometodológica de "dominar as práticas estudadas (em vez de simplesmente aprender a falar 'sobre' elas) e sua desaprovação total de todos os métodos estabelecidos para mapear, codificar, traduzir ou representar diferentemente o raciocínio prático dos membros em termos dos esquemas estabelecidos da ciência social" (1993, p. 274). A força desse programa de pesquisa é deixar os próprios locais nos ensinarem o que precisamos saber em vez de confiar principalmente em nossas explicações finamente verbalizadas.

Uma das primeiras coisas que os etnometodólogos descobrem é que há menos conceitos formais em operação do que filósofos e cientistas sociais analíticos pressupõem, e esses conceitos que são centrais para uma ocasião são menos determinados do que se poderia imaginar. Eles também aprendem que de vez em quando a indeterminação pode ser um recurso para as descobertas dos membros. Por conceitos formais, nós nos referimos aqui à "cognição racional conceitual e predicativa" (Husserl, 1982, p. 339), a ratio em funcionamento ao desenvolver formalmente os temas de investigação. A organização de sentido e inteligibilidade opera em um nível mais amplo que o estritamente conceitual, e esse "mais que" – "o 'mais' que o conceito é igualmente desejoso e incapaz de ser" (Adorno, 1973, p. 162) – naturalmente se impôs como um tópico nas investigações etnometodológicas. Por exemplo, Lynch (1985) e Livingston (2008, p. 153-6) são cuidadosos para descrever as práticas encarnadas de manipulação para a organização de laboratórios locais, práticas dos químicos que são críticas para o sucesso da ciência laboratorial, e que somente são descobertas, como contingências imprevistas de oficina, após o trabalho situado atual ser acessado. As habilidades de um químico em lidar com um cateter, por exemplo, podem não ser conceituais, mas são consequenciais. O que era mais óbvio para meus alunos que estudaram os jogos com regras era que o trabalho local dos jogadores para a organização das regras não era exclusivamente um fenômeno racional. Fenômenos proto-racionais ou não-racionais são eventos extremamente difíceis de serem notados por pesquisadores oficialmente racionais como nós. Mesmo alguns dos primeiros fenomenólogos sociais perderam muito da vitalidade do mais-que-conceitual. Seguindo a análise husserliana do papel da tipicalidade na constituição de sentido (e. g., Husserl 1970a, p. 25), Schutz desenvolveu sua teoria da tipificação, a qual, embora útil, idealizava excessivamente os aspectos conceituais da interação social (cf. Liberman, 2009). O melhor antídoto para isso é o estudo do mundo da vida in situ.

A reespecificação que procuramos aqui é bem capturada por Merleau-Ponty: "nós entrevemos a necessidade de uma outra operação ao lado da conversão reflexiva, mais fundamental que essa, um tipo de sobre-reflexão [sur-réflexion] que levaria em consideração a si própria e as mudanças introduzidas no espetáculo. Ela então não perderia de vista a coisa e a percepção brutas, e enfim não as apagaria" (1968, p. 38). Isso é consistente com o conselho de Husserl nas Meditações cartesianas, que Merleau-Ponty cita mais adiante em seu texto: "é a experiência (...) ainda muda que procuramos levar à pura expressão de seu sentido" (1968, p. 129).8 A asserção principal deste nosso ensaio é que se pode melhor realizar isso ao se estudar os fenômenos ocorrendo naturalmente em seus locais mundanos, um movimento que vários filósofos fenomenológicos realizam muito parcamente, tão atados estão eles aos detalhes locais de sua eloquência.

É certo que Aron Gurwitsch, estudante de Husserl, foi exceção aqui, e sua discussão dos campos fenomenais (Gurwitsch, 1964) oferece direções para etnometodólogos que pesquisam aspectos não conceituais da organização da ordem de assuntos locais. Gurwitsch usou muitas estratégias analíticas da psicologia da Gestalt, que foi primeiramente trazida para a filosofia por Max Scheler. Entretanto, embora Husserl mostrasse algum interesse nesses estudos da Gestalt, ele preferiu permanecer "o teórico da razão e protestar contra as implicações irracionalistas da teoria da Gestalt" (Adorno, 1982, p. 160). Husserl só pôde fazer isso mantendo distância dos eventos reais do mundo da vida.

Em contraste, vou passar para minha segunda ilustração da virada para eventos reais do mundo da vida, e descrever brevemente como meu estudo do uso de descrição de sabores por experimentadores profissionais de café é capaz de nos informar mais sobre questões fenomenológicas do que muitos tomos epistemológicos. Experimentadores profissionais de café usam descritores de sabor para organizar sua experiência de experimentar cafés. O interessante sobre esses descritores formais é que seu senti-do verdadeiro não existe separado de como os experimentadores os usam em suas experimentações. Embora haja uma labilidade notável desses descritores e de seus usos, eles são categorias muito sérias, e é comum que centenas de milhares de dólares dependam de seu uso acurado e apropriado. Assim, há uma objetividade neles, mas é uma objetividade que tem sua origem no sabor real de uma xícara de café, o que é um esplêndido exemplo daquilo que Adorno chama (confira acima) objetividade real. Além disso, os descritores formais de sabor ajudam os experimentadores a encontrar o sabor: suas línguas praticamente mergulham na xícara com um ou outro descritor passeando na ponta da língua, e esses descritores orientam o experimentador para os sabores. Mas os experimentadores realmente encontram os sabores que descrevem, e os encontram novamente, mesmo a meio mundo de distância. E, contudo, o descritor nunca descreve exaustivamente o sabor – o sabor como uma objetividade real sempre é capaz de oferecer algo mais a um experimentador habilidoso. E assim, eu descobri que os experimentadores estão continuamente engajados em ensinar uns aos outros mais sobre o que há para ser experimentado. E não são sabores imaginários, mas objetivos.

Adorno escreveu:

    A racionalidade geral [está] em conflito com os seres humanos particulares a quem ela deve negar para se tornar geral, e a quem ela simula – e não somente simula – servir. A universalidade da ratio ratifica a indispensabilidade daquilo tudo que é particular, sua dependência em relação ao todo; e aquilo que se desenvolve nessa universalidade, devido ao processo de abstração no qual se baseia, é sua contradição com o particular (1973, p. 318).

É essa ratio, juntamente com sua universalidade, que queremos capturar como uma produção local. Notemos que há um papel para a universalidade aqui, uma vez que o particular é dependente do todo e "se desenvolve nessa universalidade", mas a nossa questão mais séria é como, especificamente, ele é dependente? Simplesmente referir ao "processo de abstração no qual se baseia" é uma sugestão excessivamente vaga para nos oferecer ajuda real, e precisamos especificar exatamente o que ocorre além de simplesmente proferir a palavra "processo". A beleza do estudo sobre o café é que com dezenas de horas de gravação em vídeo da experimentação de café, eu posso encontrar esses detalhes para especificar exatamente o que é a objetividade real, o algo no sabor que resiste a ser dito, e como suas objetividades categoriais ajudam os experimentadores a encontrá-la. Há de fato uma objetividade que não é somente o produto de operações mentais abstratas do sujeito, e essa é a objetividade real. Tal como John Caputo afirmou de Derrida: "Derrida não está tentando enterrar a ideia de 'objetividade', mas, um pouco como Kant, forçar-nos a formular uma versão mais sensível dela" (1997, p. 80). Meu estudo dos experimentadores de café facilita entrever essa versão mais sensível.

Esse estudo, imerso nas atividades práticas mundanamente reais dos experimentadores profissionais de café, pode identificar e descrever como os experimentadores cooperam na construção de certas unidades de sentido, em um processo social que é tanto passivo quanto ativo. Ele pode capturar como os experimentadores estabilizam o sentido de seus descritores do paladar, ao mesmo tempo preservando "a exigência imanente ao conceito de sua invariância na criação da ordem" (Adorno, 1973, p. 153) e cultivando a disciplina de evitar que as categorias bloqueiem ao experimentador aquilo mais que há para se descobrir no sabor objetivo, isto é, de permanecer aberto à experiência original enquanto se utilizam as categorias descritivas para ajudar na organização da experiência. Eu posso estudar os efeitos da "estrutura intensificadora do domínio que o próprio conceito concebe, limita e delimita, [incluindo] o gargalo estrangulador nomeado no conceito" (Derrida 1986, p. 20). A consideração de Wieder sobre os critérios é útil aqui:

    Em vez de ter um significado estável através de um conjunto de casos que são classificados por seu uso, os critérios são confrontados com casos ao se elaborar o sentido dos critérios ou dos casos para abranger as ocorrências particulares que o usuário do nome defronta. Explicar o que os membros significam por seus termos pela enunciação de critérios para usar esses termos seria então um método inapropriado, uma vez que os critérios variam em seu sentido no decorrer das ocasiões em que são usados (1970, p. 134).

O trabalho dos experimentadores de café ao estabilizar deslizamentos no sentido e referência de seus descritores é real, prático, comercial e infinitamente revelador do pensamento e da objetivação. Embora as reflexões de Husserl sobre objetivação sejam nosso guia, esses eventos nos contam mais do que Husserl poderia ter sabido.

Aqui as relações entre subjetividade e objetividade estão localizadas como fenômenos mundanamente reais e não como abstrações hiperativas. Embora as relações entre sujeito e objeto suscitem imensas complexidades, ao menos essas complexidades são reais. Naturalmente, os experimentadores de café têm interesse em rotinizar seu trabalho profissional e em tornar seus resultados tão objetivos quanto possível, e essas estratégias de raciocínio prático também podem ser estudadas. Muitas grandes torrefações comerciais e associações profissionais de experimentadores de café desenvolveram, como um método em contínua evolução, programações para gravar suas avaliações de sabor, e esses resultados frequentemente são tabulados em formas quantitativas para ajudá-los na objetivação dos sabores. Embora alguns desses métodos quantitativos sejam mais compreensíveis que outros (os estudos desses métodos ainda estão por se completar),9 a meta é desenvolver medidas objetivas que possam capturar muitos dos sabores reais. Uma vez que o esquema interpretativo dos experimentadores está sempre crescendo com o aprofundamento de sua compreensão e experiência, e com a descoberta de novos cafés, essas metodologias quantitativas têm dificuldade para manter um ritmo de desenvolvimento. Mas sem tais métodos e programações, dificilmente a indústria do café poderia funcionar. Uma conclusão preliminar é que a objetividade serve não somente o interesse pela verdade, mas também demandas sociais vitais de instituições nas quais é uma preocupação oferecer as condições adequadas da comunicação intersubjetiva.

Um aspecto final dos estudos etnometodológicos de construção de sentido in situ é que ao retomar o trabalho prático de profissionais (experimentadores de café, cientistas, designers de software e websites etc.), nós, pesquisadores, podemos ativamente solicitar a colaboração dos profissionais para desenvolver aspectos adicionais do estudo, um processo de pesquisa nomeado pelos etnometodólogos como "estudos híbridos". Ao fundir o interesse e a inteligência dos dois grupos, nós, pesquisadores, podemos ser guiados pelo conhecimento experto dos praticantes acerca do que eles estão fazendo e, ao mesmo tempo, uma vez que os praticantes nem sempre podem estar conscientes sobre exatamente o que e exatamente como eles estão fazendo o que fazem, o pesquisador etnometodólogo pode ajudá-los a identificar os aspectos mais vitais de seu trabalho. Nenhuma das partes pode fazer tanto progresso sozinha, fenomenologicamente falando, quanto juntas. Dessa maneira, o interesse fenomenológico nas experiências reais do mundo da vida presta-se facilmente a partilhar os interesses reais dos praticantes mundanos, tornando a esses últimos fenomenólogos leigos no processo.

Esses tipos de "estudos" – dos quais eu ofereci aqui o esboço de duas ilustrações – necessariamente revelam aspectos do mundo que exigem reespecificações da fenomenologia de Husserl, e eu já aludi a algumas dessas reespecificações. A principal dentre elas é que precisamos mudar a prioridade concedida ao pensamento realizado por indivíduos para o pensamento que realizamos em concordância com os outros, e isso pela boa razão de que a maior parte do pensamento no mundo é desse último tipo. Tal como um dos estudantes de Husserl, Alfred Schutz sugeriu:

    Nós ainda estamos lidando com a ficção de que esse problema pode ser estudado por uma mente supostamente isolada sem qualquer referência à socialidade. É claro que somos conscientes de que esse procedimento envolve o pressuposto irrealista de que nosso conhecimento do mundo é nosso assunto privado e que, por conseguinte, o mundo em que estamos vivendo é nosso mundo privado. Deliberadamente desconsideramos o fato de que somente uma parte muito pequena de nossas experiências ou conhecimento genuinamente se origina no interior do próprio indivíduo (1970, p. 134).

O ser humano é um ser de espécie, e como cães de matilha ou golfinhos, nossa atividade é fundamentalmente colaborativa. A noção de que devemos fundar nosso conhecimento ou certeza no homúnculo cartesiano / leibniziano acaba por permitir que os prejuízos individualistas da metafísica europeia imponham uma ordem exógena, que falhará em capturar as dinâmicas públicas do pensamento e atribuição de sentido tal como ocorrem no mundo real. Isso pode ter sido desculpável quando faltavam os métodos das ciências sociais para examinar os detalhes da produção local de sentido e ordem, mas não há mais desculpas para ignorar os aspectos sociais da atribuição de sentido.

Husserl não ignorou esses aspectos; entretanto, ele os levou em consideração ao adicionar os fenômenos "intersubjetivos" no topo de uma estrutura que já era baseada na subjetividade individual, que sempre mantém sua prioridade. Embora Husserl reconhecesse a necessidade de corrigir sua abordagem da subjetividade transcendental, suas emendas foram insuficientes; de acordo com Husserl, somos apresentados a "uma fenomenologia que finalmente entende a si própria como uma atividade funcional na intersubjetividade transcendental" (1970c, p. 275). Sua abordagem tinha uma plausibilidade tremenda, mas somente enquanto permanecia primariamente teórica. Seu bom senso em relação à epistemologia é alcançado pelo tratamento claro e lógico da racionalidade que ele foi capaz de oferecer, e pelo quão prontamente comunicável esse tratamento poderia se tornar para aqueles que o recebiam. Mas uma preocupação acerca de manter a clareza desse tratamento sempre milita contra o reconhecimento de muitos modos arracionais e irracionais pelos quais as pessoas se organizam para realizar a ordem e a inteligibilidade do mundo. Somente porque a ordem é preferível ao caos não cria o mundo desse modo. Tão logo os fenomenólogos sociais começaram a investigar o mundo, uma outra história foi revelada. Mas a visibilidade dessa história depende de as investigações permanecerem situadas no mundo.

Um problema que é corolário disso, e que também requer reespecificação, é a doutrina husserliana das origens absolutas. Que tais origens se baseiem somente na experiência do indivíduo, que nós podemos reconhecer a origem absoluta de qualquer coisa, que o sentido se origina na mente e não nos aspectos do mundo enquanto os eventos se desenrolam são todos prejuízos idealistas que devem ser abandonados. Tudo no mundo é derivativo, a racionalidade é somente um dos aspectos da produção de sentido e dificilmente o conhecimento é tão deliberativo em sua construção quanto supõe o modelo de Husserl. E, especialmente, a maior parte dos significados têm seus inícios nas vidas sociais das pessoas, e emergem dessa vida sem o tipo de autoridade que a fenomenologia constitutiva imagina.

Outro estudante de Husserl, Aron Gurwitsch, aprendeu a dar mais prioridade para a intersubjetividade que para a subjetividade: "pode-se dizer que o objeto deriva sua existência e o sentido de sua existência das experiências entrelaçadas e concatenadas intersubjetivamente; e podemos falar da 'constituição intersubjetiva' do mundo, isto é, do mundo enquanto se origina na experiência interligada intersubjetivamente" (1966, p. 432). E Gurwitsch mais tarde chegou a concluir: "é realmente minha convicção que a fenomenologia de Husserl não pode resolver os problemas da intersubjetividade, especialmente aquele da intersubjetividade transcendental, e essa é sua fraqueza" (Grathoff, 1989, p. 230). Embora possamos manter a noção husserliana vital de entendimento originário, a qual tenta preservar o local em que nosso primeiro insight em relação ao sentido, significado e verdade ocorre, precisamos abandonar suas armadilhas metafísicas e reconhecer que toda significação tem seus precedentes, e que muitos desses precedentes ocorrem nas interações sociais naturais das partes que vivem e agem juntas no espaço público. Uma vez que alargamos a sustentação de algumas dessas crenças teóricas a priori e começamos a examinar o próprio mundo na vida cotidiana, encontraremos esses momentos originários da vida inteligível quase em todos os lugares para os quais nos voltarmos, e nosso projeto será descrevê-los. Garfinkel argumenta que erramos quando reduzimos os detalhes locais a generalidades analíticas formais, e sugere que "com esse procedimento, [Husserl] obscureceu e perdeu as origens das ciências em seus detalhes vividos nos locais de trabalho" (2007, p. 27).

Por fim, devemos francamente reconhecer que a preocupação duradoura de Husserl em construir um sistema total e abrangente que almejaria dar conta de tudo é um outro traço de hybris derivado da cultura do Iluminismo europeu. Sem dúvida, ainda estamos muito próximos dessa perspectiva e partilhamos excessivamente seus interesses e inclinações para sermos capazes de ver nosso caminho claramente, mas os próprios programas abrangentes de Husserl continuamente revisados por ele mesmo oferecem uma prova da autoimunidade de tais aventuras filosóficas totalizantes. A soberania que se detecta na voz de muitos dos filósofos dos séculos XIX e XX, e também durante a grande era da antropologia social paternalista que estabeleceu as ciências sociais, tem grande afinidade com as bases teológico-políticas da vida europeia e com a presunção de que somos capazes de controlar tudo com base em um centro. A fim de que os insights genuínos encontrados nesse pensamento soberano sobrevivam, deverse-á lidar com certos desarranjos dessa autocerteza costurada tão firmemente, e reconhecer que ela não pode suprir tudo com base em suas próprias fundações construídas teoricamente, ainda que tomar o cuidado de fundar o pensamento em evidências intuídas diretamente e de realizar essa fundação de modo expressamente público e formal seja uma parte essencial da prática científica, e uma parte necessária, se o trabalho colaborativo de uma comunidade científica deve sobreviver e desenvolver-se adequadamente. Somos guiados pelas muitas investigações de Husserl e, como ele, permanecemos opostos tanto ao extremo relativismo quanto ao pressuposto realista de que o mundo que concebemos existe, independentemente dessas cognições, exatamente do modo como o concebemos. E permanecemos motivados pelo principal conselho de Husserl: nós precisamos ir para as próprias coisas e nos manter engajados nas atividades mundanas que lá encontramos. Essas atividades mundanas podem ser mais complicadas, e mesmo mais caóticas, do que preferiríamos, e não há garantias de que seremos capazes de capturá-las adequadamente em nossas descrições etnometodológicas. Permanecemos concordantes com a diretiva de Merleau-Ponty tanto quanto com sua modéstia em relação ao que podemos ser capazes de realizar:

    [Nossa reflexão] desce rumo ao mundo tal qual ele é em vez de remontar até uma possibilidade prévia de pensá-lo – que lhe imporia antecipadamente as condições de nosso controle sobre ele. Ela deve interrogá-lo, entrar na floresta de referências que nossa interrogação nele levanta, ela deve fazê-lo dizer, enfim, aquilo que em seu silêncio ele quer dizer... Nós não sabemos nem o que é exatamente essa ordem e essa concordância do mundo ao qual nos entregamos, nem, portanto, a que o empreendimento levará, nem mesmo se é verdadeiramente possível. Mas a escolha é entre ele e um dogmatismo da reflexão (1968, p. 39).10



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Traduzido do original em inglês por Marcus Sacrini.
1 Eu tomei emprestada essa expressão de Claude Lefort em seu Prefácio do editor ao texto O visível e o invisível, de Merleau-Ponty (1968, p. XXIX).
2 Nas Meditações cartesianas, Husserl é bem específico sobre isso: "o 'objeto' da consciência, o objeto como tendo identidade 'consigo próprio' durante o fluxo de processos subjetivos, não entra no processo de fora; ao contrário, ele está incluído como um sentido no próprio processo subjetivo e, assim, como um 'efeito intencional' produzido pela síntese da consciência" (1969a, p.42). Por conseguinte, "a própria natureza adquire assim o valor de um conceito que é constituído sinteticamente" (Husserl, 1969b, p. 117) e "é categoricamente formada no juízo" (p. 118).
3 Acerca da objetivação, ver Husserl 1969a, p. 53; 1982, p. 367; 1969b, p. 247.
4 Para uma discussão sobre como a etnometodologia usa ambientes perspícuos, cf. Garfinkel, 2002, p. 181-2.
5 Preferencialmente na forma de vídeo digital, o que não significa asseverar uma solução tecnológica fácil, mas exaltar as descrições etnometodológicas dos detalhes de atribuição de sentido em interações locais, as quais são tornadas possíveis ao se escrutinar dúzias, e às vezes centenas de vezes, cada ato e cada vez de falar das partes que juntas estão dando sentido a uma ocasião. Husserl não teve esses aparelhos de gravação para ajudá-lo a estudar os fenômenos ocorrendo naturalmente em tempo real, aparelhos que não foram desenvolvidos de modo significativo até 1950.
6 Cf. Garfinkel, 2002, cap. 9: Um estudo etnometodológico do trabalho galileano de demonstração no plano inclinado do movimento real de corpos em queda livre, p. 263-8.
7 De fato, a necessidade de focar no exame de fenômenos ocorrendo naturalmente é mais do que mera heurística: eu aprendi que o tema etnometodológico e fenomenológico essencial da reflexividade é impossível de ser ensinado meramente falando sobre ele; é necessário que se esteja envolvido em ocasiões reais, especificamente localizadas, nas quais o entendimento reflexivo está ativamente em operação, e então testemunhá-lo no curso desse trabalho. Por alguma razão, as descrições teóricas da reflexividade sempre falharão. Esse é outro motivo pelo qual a epistemologia deve ser capturada enquanto um processo no mundo real e não somente como reflexões abstratas de um indivíduo isolado.
8 Eu uso aqui a tradução inglesa da tradução francesa das Meditações cartesianas por Alphonso Lings, e não a tradução de Dorion Cairns.
9 Alguns desses estudos estão atualmente progredindo em associação com meu colaborador e colega sociólogo Prof. Giolo Fele, da Universidade de Trento, Itália.
10 As reticências no texto são do próprio Merleau-Ponty.