Há pouco mais de duas décadas o mundo ocidental assistiu a uma proliferação de episódios de ''escolha constitucional '' ou transformações parciais de desenho de novas constituições. Estabelecendo um paralelo entre as três ondas democráticas identificadas por Huntington (1828-1926 , 1943-75 e 1989 ). A primeira corresponde à difusão do modelo constitucional da Revolução Francesa --- que introduziu a primeira constituição democrática do período moderno ---- para alguns países europeus . A segunda onda se inicia com o processo de consolidação democrática provocado pela introdução do sufrágio universal e pela abolição das prerrogativas monárquicas e oligárquicas ainda presentes em vários países europeus até a Primeira Guerra Mundial . A terceira onda corresponde ao processo de restauração democrática nos países fascistas da Europa e ao processo de colonização no terceiro mundo. A quarta onda corresponde ao período que se inicia com o colapso dos regimes comunistas em 1989. A delimitação histórica dessa última onda merece reparos, porque os desenvolvimentos no Leste Europeu foram precedidos em muitos casos pelo processo de democratização na América Latina . Como amplamente analisado na doutrina sobre transição democrática , o processo de democratização nesses países teve como ingrediente fundamental a feitura de novas constituições . Em segundo lugar , o colapso dos antigos regimes comunistas no Leste Europeu e URSS. Nesses países onda as transformações implicaram uma tripla transição ---- no regime econômico , na sociedade civil e no regime político ----os processos de escolha constitucional assumiram uma ''natureza radical '' . Ademais, nesses países , o mapa político foi redesenhado e novas unidades políticas autonomia , o que levou a um processo vigoroso --- e quiçá inédito na história ---- de construção institucional e constitucional . Em terceiro lugar , mesmo em países que exibiam grande estabilidade política, o debate constitucional adquiriu grande centralidade , enquanto novas constituições foram introduzidas onde não existiam , ou amplamente revisadas . A nova constituição neozelandesa de 1986 exemplifica a primeira variante . Entre 1974 e 1987 metade das cerca de 160 constituições em vigor foram revisadas . após essa data reformas importantes ocorreram, como a reforma constitucional belga de 1989 . No quadro europeu, dois processos alimentaram o debate constitucional : a descentralização política e administrativa e a formação da União Européia . Esses amplos processos tem fortes implicações constitucionais , na medida em que levam à criação de novos níveis de governo ou legislativos regionais . A ressurgência do próprio conceito de federalismo no debate político europeu ainda se alimenta desse tipo de coisas . A questão da transferência de soberania implícita na formação da União Européia tbm se inscreve nesse movimento, que se pode caracterizar antes de tudo, sobretudo nos últimos anos , como de ''constitucionalização '' do debate político. Em vários países, como os Estados Unidos e o Canadá , o debate constitucional foi alimentado por questões relativas a minorias étnicas e linguísticas, constituindo-se em um vigoroso movimento intelectual fortemente influenciado pela crítica comunitarista ao conceito liberal de direitos. Nos Estados Unidos desenvolvimentos mais ou menos recentes no campo político ---- como por exemplo o fenômeno do ''divided government, no qual o Executivo e o Legislativo foram dominados por partidos distintos ---- reforçaram o debate constitucional , onde tbm comparecem temas como limitação do número de mandatos de parlamentares , encurtamento de mandato e recall de ocupantes de cargos eletivos . Todos esses fatores fizeram-se acompanhar de um desenvolvimento intelectual autônomo em torno do papel das instituições e do desenho institucional na vida política, ou mais acertadamente nas várias esferas da vida social . A despeito da crescente relevância teórica do tema, sob qualquer ponto de vista , o campo dos ''estudos comparativos '' de processos de construção constitucional é (ao menos na minha opinião ) ''virtualmente inexistente '', apesar do rico debate contemporâneo . Enfim : uma definição econômica de uma constituição é que ela representa as regras do jogo de uma comunidade política . Uma constituição representa um conjunto de definições e prescrições relativas aos direitos dos cidadãos ; um conjunto de definições e prescrições quanto à forma de organização e funcionamento dos poderes ; e, por fim , um conjunto de regras especificando como as disposições constitucionais podem vir a ser modificadas ou emendadas . O constitucionalismo se ocupa dos dois primeiros tópicos (direitos e garantias individuais e questões relativas à separação dos poderes ) . A questão da separação ''horizontal '' de poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário ) quanto da vertical (entre níveis de governo ) , e dos ''checks and balances'' mútuos constituem um dos temas substantivos centrais de desenho constitucional , e pontos fundamentais para a democracia enquanto regime . Mas o ponto de tensão entre democracia e constitucionalismo situa-se no último tópico ( dos aspectos ''procedurais '' e procedimentais ) . A especificidade das constituições reside em larga medida no grau maior de ''resiliência '' ou ''inércia '' que exibe em relação às outras leis em termos de possibilidades de alteração de seu conteúdo substantivo . O constitucionalismo se define fundamentalmente como restrições e limites à regra majoritária, e tais limites podem ser de natureza procedimental ou substantiva . Podem referir-se a procedimentos e regras decisórias de tramitação legislativa ou podem simplesmente levar à exclusão de certas matérias do debate legislativo ordinário ao defini-las como imutáveis. Assim chefes de Estado , tribunais constitucionais e forças armadas são protegidas da competição política ---- onde se expressa a vontade da maioria ---- e preservadas independentemente dos resultados produzidos por essa competição . Os limites à regra majoritária podem tomar a forma de transferência de poder decisório a um agente externo . /exemplo emblemático desse último é quando se introduz o preceito constitucional de ''independência '' do Banco Central. A ''rationale '' para essa decisão é que embora seja desejável insular a política monetária do mercado político , por sua própria natureza , ela exige discrição e avaliação subjetiva . Por isso uma maioria delega constitucionalmente poderes quase despóticos a um agente extern o . Lane denomina de ''inércia constitucional '' o resultado obtido por tais instrumentos, a famosa ''rigidez constitucional '', e que Carl Schmitt denominava (ironicamente ??) de ''superlegalidade '' .Tais instrumentos representam formas de dificultar a modificação de um dispositivo constitucional . E como instrumentos que inibem a mudança constitucional , incluem tipicamente ''reconfirmação de decisões '' de natureza constitucional (exigências de aprovação em casas legislativas distintas ) , referenda para ratificação de tais decisões , retardamento da decisão em matéria constitucional ( exigência de aprovação em legislaturas distintas ) , utilização de uma instância extra-parlamentar de ratificação (assembléias legislativas ) ; e utilização de maiorias qualificadas para aprovação de emendas constitucionais . A ''hora da razão '' constitucional pode estar associada aos argumentos contra às ''consequências '' da adoção de determinadas instituições ou políticas . Os atores escolhem tais instituições devido às sua ''eficiência coletiva '' (o que fica mais claro em termos do papel das constituições como garantidoras de direitos ) . Alternativamente (n oque se afasta da explicação canônica em termos de ''escolha racional '' ) ela pode ser explicada pela adesão a um critério substantivo de justiça. A história das inovações institucionais --- como o sufrágio universal, o Welfare State, etc ---- não pode ser explicada a partir de argumentos ''consequencialistas ''. Na verdade, tais instituições, da mesma forma que os princípios constitucionais democráticos, não adquirem legitimidade e consenso devido às suas ''consequências ''. Estas são muito difíceis de serem avaliadas precisamente , devido a efeitos não antecipados e problemas de multicausalidade na vida social . É razoável supor que uma coalizão vencedora mínima de ''perdedores '' possa vir a se formar tão logo efeitos não antecipados se manifestem . A viabilidade e a resiliência política dessas instituições de devem fundamentalmente à comunidade de valores e princípios de justiça entre os atores políticos. O Consocialismo representa um arranjo constitucional cuja ''rationale '' é da mesma natureza do Constitucionalismo. Na forma consagrada por Lipjhart nos anos 1980, como um sistema político voltado para a proteção de minorias e moderador da regra majoritária. Lipjhart enumera exemplarmente um conjunto de traços definidores do Consocialismo : ''1 - Partilha do poder entre a maioria e a minoria (grandes coligações ) ; Dispersão do poder (pelo Executivo e o Legislativo , duas câmaras legislativas e diversos partidos minoritários ) ; Justa distribuição do poder (representação proporcional ) ; Delegação do poder (a grupos organizados territorialmente ou não) ; e Limite formal do poder (mediate o ''veto das minorias '' ) . A ''ratinale '' para o Consocialismo é que ele representa (segundo Holmes ) uma espécie de MORDAÇA que retira do processo político ordinário --- ao exigir procedimentos supermajoritários ou reconfirmatórios ---- matérias tornadas socialmente controversas apenas pelos ''contorcionismos retóricos '' da mídia liberal , cuja cooperação com os grupos de interesses políticos e econômicos afins se encarrega de catalogar como ''moralmente inaceitáveis'' uma série de decisões políticas que afetam segmentos sociais que eles pretendem manipular eleitoralmente.
K.M.
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