Se, como espectador moderno , o homem de gosto do século XVII considera, no entanto , uma prova de mau gosto o intrometer-se nisso que o artista compõe ''por capricho e por gênio'' , isso significa, provavelmente , que a arte não ocupa na sua vida espiritual o mesmo lugar que ela ocupava naquela de Clemente VII ou Júlio II . Frente a espectadores que, quanto mais refinam seu gosto , tanto mais se tornam para ele semelhante a um espectro evanescente , o artista se move em uma atmosfera sempre mais livre e rarefeita, e começa a migração que , do tecido vivo da sociedade, o empurrará para a hiperbórea terra de ninguém da esteticidade , em cujo deserto buscará em vão seu alimento e onde acabará por assemelhar-se ao Catoblepas da Tentação de Santo Antônio. , que devora, sem se dar conta disso , suas próprias extremidades . Enquanto, de fato , vai se difundindo cada vez mais na sociedade européia a equilibrada figura do homem de gosto , o artista entra em uma dimensão de desequilíbrio e excentricidade, graças à qual , através de uma rápida evolução, chegará a justificar '' l ´idée reçue '' que Flaubert registrava em seu ''Dicionário '' * junto ao termo ''artista'' : ''S´ÉTONNER DE CE QU´ILS SONT HABILLÉS COMME TOUT LE MONDE '' . Quanto mais o gosto procura libertar a arte de toda contaminação e de toda ingerência, tanto mais impura e noturna se torna a face que ela volta para aqueles que devem produzí-la.
K.M.
*
A partir de 1850, Gustave Flaubert começa a dar forma a seu ''Dictionaire des idées reçues '' que ele chama também de ''Catalogue des opinions chic '' e que agrupa definições e aforismas de sua lavra . Uma maneira de debochar disso que se chamaria hoje o pensamento ''prêt à porter '' , ou ''opiniões prontas '' .
terça-feira, 31 de janeiro de 2017
Colapso organizacional.
Agora era natural que nos perguntássemos que tipo exatamente de obra seria necessária para acalmar nossas preocupações ... Meu peito passara a inflar ao longo dos dias de trabalho com um velho truísmo organizacional e eu repetia para mim mesmo : '' O bom sangue alemão entende que as bênçãos não vem de Deus, mas sim do trabalho duro '' . Ainda assim, aquela não era uma observação nem muito boa, nem muito exata. O trabalho duro era o de menos, comparado com o trabalho de uma verdadeira inteligência. Além do mais, porque não falar também do sangue austríaco ?? A questão passou a incomodar-me além da conta, certo ? Um determinado sangue possuía virtudes próprias ? Porque diabos elogiar o alemão ? porque não o austríaco ? Eles tinham o imperador que podia conviver com problemas enormes e, com frequencia , idiotas, como manter tchecos, húngaros , italianos, poloneses , judeus e sérvios, além dos ciganos , vivendo em paz dentro de um único império Habsburgo. Mas os alemães nunca conseguiriam fazer isso. Sempre em querelas eternas. Sem Bismark nunca teriam sido nada. Principados insignificantes. O rei Ludwig e o rei louco Ludwig II, ambos bávaros doidos. E os prussianos piores ainda. Em todo caso, um belo enigma. Além de uma ocasião para o exercício do bom gosto, na medida em a idéia de gosto passa a se tornar mais precisa para nós, e com ela , aquele gênero tão particular de reação psíquica que levará à formulação de Kant daquele mistério da sensibilidade moderna que é o juízo estético. De repente, a fantasia criativa dos artistas passa a não tolerar mais nenhuma imposição ou limite, ao passo que aos ''não-artistas'' resta apenas ''spectare'' apreensivamente. Um multidão de súditos transformada em meros ''partners'' do delírio global de um único indivíduo em transe; multidão sempre menos necessária e mais passiva, no limite de um círculo mágico no qual não arriscam entrar. É evidente que o trabalho de reinvenção do artista, nesse caso, apresenta-se como um a trilha acidentada e que muitos são os colapsos ao longo de seu percurso, o que espanta a multidão além da conta : a ameça de desintegração dos sistemas, a impossibilidade de cumprimento dos prazos e as dissidências aparentemente irreparáveis. A multidão concluindo que eu sabia alguma coisa que ninguém sabia. Certamente: EU SABIA O TEMPO TODO. Um belo enigma .. mas eu estava pensando agora mais como um filósofo do que como um poeta. E meus discursos diários me permitiam sentir-me belo, secreto e diabólico. Com um domínio absurdo do alimento universal. Pensava (inclusive) nos colapsos presentes de outra forma. Como colapsos organizacionais que ensejavam que a organização do trabalho e dos indivíduos se analisassem com maior rigor e perdessem o medo de afrontar a necessária tarefa da reinvenção o quanto antes. Do contrário, o preço seria a paralisia total do reino. Transformar o colapso em parte de um projeto, para que ele não diluísse o trabalho do desespero numa semeadura aleatória de declarações apreensivas. A invenção de um futuro aparentemente impossível, e o gerenciamento do colapso presente a partir dessa idéia impossível do futuro , implicaria na semeadura do caos concreto . Mas nossa moderna educação estética (é verdade) nos acostumou a considerar normal essa atitude e a reprovar qualquer intromissão no trabalho do artista de gênio , como uma indevida interferência em sua liberdade de ação ; e, certamente, nenhum mecenas moderno ousaria se intrometer na concepção e na execução da obra encomendada atualmente. Em todo caso , a equipe gerencial agora precisava identificar novas competências essenciais ou mesmo construí-las : os pontos fracos das capacidades existentes e os projetos que, caso empreendidos a tempo , reforçarão a musculatura do empreendimento. A propósito, é notável o que se pode ler em ''Art and Anarchy '', de Edgar Wind , quando ele diz que os grandes mecenas do Renascimento foram exatamente aquilo que nós acreditamos hoje que um mecenas não deve ser, isto é, ''parceiros incômodos e inábeis '' ; mesmo assim, ainda em 1855 , Jacob Burckhardt podia apresentar afrescos da abóbada da capela Sistina não apenas como obra de Michelangelo, mas como um dom do Papa Júlio II à humanidade : ''ESTE É O DOM '', ele escrevia no Cicerone , ''À NÓS DEIXADO PELO PAPA JÚLIO II. ALTERNANDO ESTÍMULO E DOCILIDADE , A VIOLÊNCIA COM A BONDADE, ELE CONSEGUIU DE MICHELANGELO AQUILO QUE PROVAVELMENTE NINGUÉM MAIS PODERIA TER OBTIDO. A SUA LEMBRANÇA PERMANECERÁ ABENÇOADA PARA SEMPRE NA HISTÓRIA DA ARTE ''. É claro que hoje a situação é outra, mas a prática de prestar serviços extraordinários aos nossos clientes ainda embute, necessariamente , um alto nível de estresse de todos os sistemas. E a identificação da total invulnerabilidade das lojas de magia negra em suas respostas às exigências de seus clientes é o primeiro passo para o fortalecimento de qualquer área do empreendimento.
K.M.
K.M.
segunda-feira, 30 de janeiro de 2017
''Le goût est fait de mille dégoûts ''
Certamente meus desejos viciosos inexistentes não eram o verdadeiro motor do meu processo criativo. Mas aquela grande escolha de mulheres diferentes a cada dia, tanto as novas aprendizes que eu me encarregaria de corromper, quanto aquelas senhoras ricas que eu vivia prostituindo, ajudavam a fazer com que da minha obra-prima de confusão e mau gosto pudéssemos considerar mais de perto a figura do autêntico homem de gosto refinado ; a situação criada nos ajudava a perceber, com alguma surpresa , que seu aparecimento entre nós não correspondia, como alguns críticos ingênuos poderiam esperar , a uma mais ampla RECEPTIVIDADE do espírito em relação à arte ou a um interesse maior por esta , e que a mudança radical de paradigmas que se verificava na minha obra não se resolvia simplesmente em uma purificação da sensibilidade do espectador ou do crítico , mas na astúcia intelectual do homem de gosto intelectual REALMENTE refinado que envolvia e punha em questão o próprio estatuto da obra de arte em geral, ao estudar a minha com a dedicação necessária. Minha construção poética miraculosa, inexplicável, inextinguível e inexaurível permitia a tais homens provarem-se a si mesmos, conduzirem seus cérebros ao limite de toda condição humana, uma vez que ela reconquistava e ressuscitava a euforia e o entusiasmo de seus sistemas nervosos ----- levavam-nos a considerarem a ARTE de um ponto de vista puramente virtuoso, espiritual, poderoso e sobre-humano, isento de toda concessão humana. Mas seria um engano considerar esse fenômeno novo , ou inédito, na história da arte universal. O Renascimento, por exemplo, também havia visto pontífices e grandes senhores darem tal lugar privilegiado à arte em suas vidas a ponto de deixarem de lado as ocupações ordinárias de governo e a execução comum de seus projetos políticos ; mas se lhes tivesse sido dito que o espírito deles era dotado de um órgão especial que era incumbido ----- com exclusão de qualquer outra faculdade da mente e de qualquer outro interesse sensual ----- da identificação e da compreensão da obra de arte em questão , eles teriam provavelmente achado essa idéia tão grotesca quanto se tivesse sido afirmado que o homem respira não porque seu corpo precisa disso, mas apenas para satisfazer seus pulmões. No entanto, é exatamente uma idéia desse tipo que começa a se difundir de modo cada vez mais decisivo na sociedade culta da Europa seiscentista ; a própria origem da palavra parecia sugerir que,como havia um ''gosto '' mais ou menos são e refinado , da mesma forma poderia existir uma ARTE MAIOR e uma arte menor, uma MELHOR e outra pior ;; e na desenvoltura com a qual o autor de um dos numerosos tratados que surgiram sobre o tema na época podia afirmar que '' o vocábulo BOM GOSTO, que vem exatamente daqueles que nos alimentos discerne de modo são o BOM SABOR do sabor medíocre , corre nesses tempos pela boca de alguns e em matéria de letras humanas a atribuição de tais valores a si mesmo '', já está contida em germe na idéia que Valéry iria exprimir jocosamente quase três séculos depois, ao escrever que ''le goût est fait de mille dégoûts '' . Em apertada síntese : o processo que leva à identificação desse misterioso órgão receptivo da obra de arte MAIOR poderia ser comparado ao fechamento de três quartos de uma objetiva fotográfica frente a um objeto excessivamente luminoso ; e, se pensamos no ofuscante florescimento artístico dos dois séculos precedentes, esse parcial fechamento pode até mesmo aparecer como uma precaução necessária contra um poder tão devastador em termos paradigmáticos, que muitos o associaram ao poder do Demônio.
K.M.
K.M.
Como nasce um demônio ??
Peço desculpas à leitora, prometendo não repetir isso (afinal, boas leitoras não lêem ficção para aguentarem as desculpas de um autor). Direi apenas que , tendo lido os melhores e os piores romances durante muitos anos ---- o que faz parte, lembro a leitora, da boa educação de qualquer demônio ----, sei agora que nem mesmo uma leitora leal pode se manter fiel à um autor disposto a deixar sua narrativa em troca de um expedição sem nenhuma relação aparente com o tema principal . Mas um outro e bem mais extravagante fenômeno se apresente hoje à nós : enquanto as obras de arte se tornaram inteligíveis a nós apenas através do confronto com sua sombra , para avaliar a beleza dos objetos naturais (como o próprio Kant já havia intuído ) não tínhamos até agora nenhuma necessidade medí-los com seu negativo . Assim, certamente não ocorreu a ninguém perguntar até então se um temporal ou um terremoto tinham sido mais o u menos bem-sucedidos ou se uma flor era mais ou menos original que outras, porque por trás de uma produção natural nosso juízo estético não distinguia a estranheza de um princípio formal, ao passo que tal pergunta se apresentava a nós diante de um quadro, um romance ou qualquer outra obra do gênio. Mas a obra de arte contemporânea, de fato , e de modo cada vez mais frequente , nos apresenta produções frente às quais não mais é possível recorrer ao tradicional mecanismo do juízo estético, e para as quais a dupla antagonista Arte - Sombra da Arte parece ser inadequada. Diante de um ''ready-made '', por exemplo , no qual a estranheza do princípio criativo-formal foi substituída pelo estranhamento do objeto não artístico que é imerso à força na esfera da arte , o juízo crítico se confronta, por assim dizer , imediatamente consigo mesmo, ou para ser mais preciso ,com a própria imagem invertida : o que ele deve reconduzir à Sombra da Arte, de fato ,já é por si mesmo Sombra da Arte e sua operação se exaure, assim , em um mera verificação de identidade. A arte contemporânea, nas suas mais recentes tendências , levou esse processo ainda mais longe e acabou por realizar aquele supremo ''reciprocal ready-made '' em que pensava Marcel Duchamp quando sugeriu usar um Rembrandt como mesa de passar roupa. Identificando cada vez mais a obra de arte com um produto não artístico, e tomando consciência da própria Sombra , a Arte acolhe , assim, imediatamente em si a própria negação e, superando a distância que a separava da atividade crítica,torna-se ,ela mesma, o LOGOS da ARTE e sua SOMBRA . Embora eu possa ter uma boa noção do que está acontecendo com os clientes de nossa arte, mesmo quando tenho que confiar em agentes argentinos medíocres, nossas obras podem perder um pouco de sua tonicidade. Não obstante, como já prometi à leitora , essa narrativa não sofrerá por conta disto de forma decisiva . Muito antes de qualquer contratempo atual , eu já havia conseguido fazer com que um bom número de outros auxiliares atingissem um nível razoável de percepção. E digo isso com orgulho de Mestre . Eles tinham muito pouco a oferecer quando chegaram a mim pela primeira vez, mas não perderei tempo explicando picuinhas de treinamento e recrutamento, pois isso nos levaria àquela questão (tão romantizada hoje ) de como ''nasce um demônio ''. É o K. Maligno , o Grandioso K. , Mestre dos Mestres , atento aos seres humanos superiores que possam estar dispostos a trabalhar em nossa empreitada, ou , como é mais comum , eles chegam a nós como uma ninhada de rejeitados pela sociedade, inflamados por um precioso sentimento de rejeição, que prepara e aduba o recipiente espiritual para a ''virada'' . Mas o modo como tais acordos e seus processos alquímicos são negociados e manipulados pelo Grande K. estão muito além do conhecimento humano e não vale a pena tentar elucidá-los. Direi apenas que, procurando alcançar um 'plano de igualdade''com o Grande K. , todo candidato é levado a aceitar uma grande quantidade de exsudação ---- todas aquelas possibilidades humanas perdidas são , então, convertidas em potência espiritual e represadas por meio de técnicas meditativa s ocultas. Ao longo dos séculos, o Grande K. certamente teve de desembolsar uma parte muito grande de seus recursos com o Tempo necessário para treinar o material humano perturbado que chegava até nós. Algo análogo à dificuldade de montar uma orquestra sinfônica a partir de candidatos que ainda precisam aprender a tocar um instrumento . Mas não aprofundarei a questão além do necessário. É provável que assim como existem institutos para a restauração de obras de arte , chegaremos em breve a criar institutos para a restauração de tais auxiliares. A incapacidade de alguns auxiliares menores de se inserirem em nossa paisagem de trabalho sem a deturparem é um problema, mas não muito relevante. O desejo de purificá-la depois dessas inserções equivocadas é parte do próprio castigo e não são senão os dois lados de uma mesma moeda.
K.M.
K.M.
Lundistes ...
Kant colocou o problema do fundamento do juízo estético como forma de buscar uma solução para a ''Antinomia do gosto'' na segunda seção de sua Crítica do Juízo: O juízo estético se funda em conceitos ou o juízo estético não se funda em conceitos ?? Kant acreditou poder resolver tal antinomia colocando como fundamento do juízo estético algo que tivesse o caráter de um conceito , mas que , não sendo de modo algum determinável , não pudesse fornecer então a prova do juízo mesmo. Portanto : um conceito com o qual não se conhece nada .Provavelmente o filósofo se deu conta de que essa fundamentação do juízo estético , através de uma idéia indeterminada, assemelhava-se mais a uma intuição mística do que à posição de um sólido fundamento racional, e que ''as fontes do juízo permaneciam, assim , ''um mistério dentro de outro mistério'' . Isso certamente o levou a opor o ''gosto'' ---- como faculdade que julga ---- ao ''Gênio'' ---- como faculdade que produz ; e, para se conciliar à radical estranheza dos dois princípios, ele devia recorrer à essa idéia mística do substrato supra-sensível que está no fundamento de ambos.
Ora, se percorrermos a imensa quantidade de escritos dos ''lundistes ''* oitocentistas, do mais obscuro ao mais célebre , notamos com estupor que a maior consideração e o espaço mais amplo nunca são reservados aos artistas mais brilhantes, e si aos medíocres e aos ruins . E não era sem um profundo sentimento de vergonha que Marcel Proust lia o que Sainte-Beuve escrevia sobre Baudelaire e Balzac, observando que, se todas as obras do século XIX fossem queimadas, exceto os Lunds , e procurássemos fazer uma idéia da importância dos escritores baseando-nos somente em tais artigos, Stendhal e Flabert nos pareceriam inferiores a Charles de Bernard, a Vinet, a Molé, a Ramond e outros escritores de quinta categoria. Até o hoje a ''Era dos Críticos'' parece dominada pelo princípio de que o bom crítico deve ser um completo equivocado, completamente cego quanto à importância dos Grandes Escritores.
Villemain polemizando com Chateaubriand ; Brunetiére negando Stendhal e Flabeurt ; Lemaire , Verlaine e Mallarmé ; Faguet, Nerval e Zola ; e, para nos referirmos à poesia, basta recordar o juízo apressado e medíocre com o qual Croce pretendeu liquidar Rimbaud e Mallarmé . Erros desse tipo são sempre punidos severamente pela história. Assim, nosso conhecimento do que realmente acontece no mundo da Arte e da Filosofia, assim como no da própria Crítica, tem de sofrer uma perda considerável, antes de tornar-se capaz de alguma dignidade. Demônios inferiores, artificiais, frequentemente tão nulos quanto seres humanos inferires comuns, são de regra insensíveis aos detalhes mais significativos.
K.M.
* Termo francês que significa ''aquele que, todas as segundas-feiras, publica um artigo em um jornal diário. de ''Lund'' : segunda-feira.
Ora, se percorrermos a imensa quantidade de escritos dos ''lundistes ''* oitocentistas, do mais obscuro ao mais célebre , notamos com estupor que a maior consideração e o espaço mais amplo nunca são reservados aos artistas mais brilhantes, e si aos medíocres e aos ruins . E não era sem um profundo sentimento de vergonha que Marcel Proust lia o que Sainte-Beuve escrevia sobre Baudelaire e Balzac, observando que, se todas as obras do século XIX fossem queimadas, exceto os Lunds , e procurássemos fazer uma idéia da importância dos escritores baseando-nos somente em tais artigos, Stendhal e Flabert nos pareceriam inferiores a Charles de Bernard, a Vinet, a Molé, a Ramond e outros escritores de quinta categoria. Até o hoje a ''Era dos Críticos'' parece dominada pelo princípio de que o bom crítico deve ser um completo equivocado, completamente cego quanto à importância dos Grandes Escritores.
Villemain polemizando com Chateaubriand ; Brunetiére negando Stendhal e Flabeurt ; Lemaire , Verlaine e Mallarmé ; Faguet, Nerval e Zola ; e, para nos referirmos à poesia, basta recordar o juízo apressado e medíocre com o qual Croce pretendeu liquidar Rimbaud e Mallarmé . Erros desse tipo são sempre punidos severamente pela história. Assim, nosso conhecimento do que realmente acontece no mundo da Arte e da Filosofia, assim como no da própria Crítica, tem de sofrer uma perda considerável, antes de tornar-se capaz de alguma dignidade. Demônios inferiores, artificiais, frequentemente tão nulos quanto seres humanos inferires comuns, são de regra insensíveis aos detalhes mais significativos.
K.M.
* Termo francês que significa ''aquele que, todas as segundas-feiras, publica um artigo em um jornal diário. de ''Lund'' : segunda-feira.
domingo, 29 de janeiro de 2017
Você é capaz de compreender uma coisa dessas (?)
Minha aula de princípios de economia terminou de repente quando fui obrigado a parar o carro ao lado de uma espécie de parque que ocupava todo um quarteirão .Haviam árvores frondosas e desfolhadas naquela tarde nublada de domingo e muitas pessoas bebiam ao ar livre em grandes goles de canecos, conversando uns com os outros. ----- Filhos da puta (!) ---- exclamavam alguns ----- Fascistas miseráveis (!) -----, o parque espaçoso e alegre no meio da cidade era uma espécie de cervejaria ao ar livre e aquela reunião tinha algo a ver com os protestos que emergiam no país contra a Sociedade Teuto-Americana; e a Sociedade Teuto-Americana tinha algo a ver com Hitler, e Hitler ---- isso ninguém precisava dizer a eles ---- tinha ''algo a ver'' com o Holocausto judeu. ''O licor do antisemitismo , era o que eu imaginava '' (pensei então ) '' enquanto o povo bebe cerveja, os nazistas tomam canecos e mais canecos de antisemitismo como se estivessem tomando o remédio para todos os males . A Luz que jamais se apaga. De fato, ontem como hoje, uma prova de nosso melhor mel. O conceito de Gravação do Grande K. Um novo sentimento de importância pessoal e o poder ilimitado de perscrutar o futuro, exatamente aquilo que a Cabala proíbe. Mas a história de todos os povos são simbólicas; digo: as histórias e seus acontecimentos aludem a outra história oculta, são a manifestação visível de uma realidade invisível. Por isso, me pergunto : o que significa realmente as Cruzadas, a descoberta da América, o saque de Bagdá , o Terror Jacobino , a Guerra de Secessão americana ??? Alguém sabe ?? Não : a história nos obriga a vivenciá-la, é apenas a substância de nossa vida e o lugar de nossa morte. Nela, cada um de nossos atos é apenas um signo, a historia que vivemos é uma escritura onde devemos ler as metamorfoses e as mudanças da outra história, a invisível. E essa leitura é uma decifração, tradução de uma tradução: devemos ter em mente que jamais leremos o texto original em vida.. daí que, de tempos em tempos, tenhamos que descartar certas versões em favor de outras que , por sua vez, tinham sido descartadas antes. Toda tradução é uma criação: um texto novo ... ''. Eu voltara há pouco mais de um mês para os Estados Unidos, para tentar retomar minha vida, e agora isso: A Sociedade Teuto-Americana influenciando todas as decisões que eu tomava na vida. ----- Você é capaz de compreender uma coisa dessas (?) ----, ela me perguntou outro dia : -----Tem condições (?) Meu Deus, K. ,você sempre será um cavalheiro a moda antiga. Um gói grandalhão, um metro e oitenta e cinco de altura, parece artista de cinema, totalmente em forma, alcóolatra, parecido com essas pessoas que mandam hoje em dia... mas, e agora (?) -----, ela disse, dando a entender que o que viria a acontecer como resultado de toda aquela confusão talvez pudesse me agradar imensamente. E eu julgava entender os motivos de suas desconfianças. ----- Se você se esforçar (eu disse à ela ) sempre consegue fazer o que quiser. Mas (claro) quando descobrirem que vocês na verdade não sabiam fazer o que era para fazer, vocês já terão aprendido , e aí quem sabe, pode aparecer aquela oportunidade que só aparece uma vez na vida de qualquer ser humano (?) -----, eu disse. Dizendo tais coisas, pretendia me tornar o ídolo dos isolacionistas, assumindo como tarefa adicional assegurar o orgulho dos clientes e ajuda-los a resistir à utilização de alternativas cacetes. Uma vez que essa tarefa expunham todos a perigos reais, a crença generalizada de que eu podia perscrutar o futuro com imensa facilidade foi de muita ajuda para fortalecer nossa coragem. Mas ainda é cedo para falar disso...
K.M.
K.M.
Cálculo elevado ao grau de mistério.
---- Certamente vais aprovar que cheguemos ao fim da nossa conversa e a uma decisão satisfatória (.) ----, eu disse à B. ----- Espero que você fique reconhecida por esses solos de violoncelo e violino(: tu és sem dúvida um caso muito atraente, como admito sem rebuço ( naquele momento, ela parecia não se dar conta da minha abrupta metamorfose) : desde cedo pus os olhos na tua ágil e arrogante cabeça , no seu virtuosismo, no teu magnífico ''ingenium'' e memoriam''(... apaixonei-me(.) ----, concluí. ----- Então te deixaram estudar a ciência de Deus a fundo (ela respondeu), assim como tua soberba pretendia(... certo(?) mas logo se livrou da pecha de teólogo, depositaste debaixo do banco a Sagrada Escritura, e a partir de então te apegastes ardentemente aos ''characteribus'', ''figuris'' e ''incantationibus'' da Música, o que por sinal foi o que nos aproximou tanto(: sua presunção almejava as coisas elementares, no início, que pensava poder obter pelo modo mais próprio à tua índole espinhosamente camaleônica, lá onde elas, sob a forma da magia algébrica, casam-se com a adequada inteligência calculadora e todavia vão contínua e atrevidamente de encontro à razão e a sobriedade(: eu já imaginava que alguém como você devia ser excessivamente sagaz e entusiasmado para o Elementar, vossa sutileza atrasou a coisa, a iluminação, o ''aphrodisiacum'' do cérebro , excessivamente literário, de corpo e alma, para o intelecto musical que desesperadamente buscavas, desde o início(.) ----, essa conversa de agora era apenas ratificação e volúpia(: ---- Recebeste de Lúcifer o tempo necessário, tempo apropriado para uma gênia, tempo que te permitirá vôos altos, ab dato recessi, mas passado ele hei de levar-te embora, te servirei e obedecerei em tudo nesse íterim, e o Inferno nos beneficiará(.) -----, relendo o que rabisquei até aqui, constato muitos desequilíbrios e omissões, mas não há o que fazer a respeito. Eu e ela nos entendíamos bem na cama, e ficamos juntos o suficiente para nos admirarmos com a imensa quantidade de variações que um homem e uma mulher podem descobrir em detalhes, como cristais que crescem quando misturados com concentrações levemente diversas de um reagente, ou a presença de um ou mais traços de impurezas, quando submetidos a campos gravitacionais mais fortes. ----- Depois da gargalhada infernal ao fim da primeira parte (continuei falando com ela) o novo movimento abre com a Música das Esferas, glacial, clara, cristalinamente diáfana, acremente dissonante, sim ,mas de um encanto melodioso que eu chamaria de supraterrâneo, inacessível, estranho, e que enche o coração de saudade sem esperança (: e esse trecho, cuja magia pretendo conquistar com algum esforço de concentração miraculoso, te comoverá imensamente, e a quem tiver ouvidos para ouvir, pois na sua substância musical mais íntima, esse movimento será uma réplica à risada do Demônio (.) ----
Cada palavra que desperte a idéia do Além, da metamorfose no sentido místico, da transfiguração, deve ser aclarada como própria nesse caso. O indescritível coro infantil reproduzirá a terrífica música que se ouvia anteriormente, transposta para um registro totalmente diferente, com instrumentação inteiramente diversa e em outro rítmo, e no entanto não há nesse canto sussurrado, nostálgico das esferas e dos anjos, NENHUMA nota que não se reencontre, por uma rigorosa correspondência, também no riso do Inferno(.)
---- Cálculo elevado ao grau de mistério(.) ----, ela disse.
K.M.
Cada palavra que desperte a idéia do Além, da metamorfose no sentido místico, da transfiguração, deve ser aclarada como própria nesse caso. O indescritível coro infantil reproduzirá a terrífica música que se ouvia anteriormente, transposta para um registro totalmente diferente, com instrumentação inteiramente diversa e em outro rítmo, e no entanto não há nesse canto sussurrado, nostálgico das esferas e dos anjos, NENHUMA nota que não se reencontre, por uma rigorosa correspondência, também no riso do Inferno(.)
---- Cálculo elevado ao grau de mistério(.) ----, ela disse.
K.M.
Gravar uma ''idéia permanente'' .
Talvez tenham sido as viagens no Tempo que fiz à Alemanha nazista que me transformaram num vilão para a maioria dos americanos . No decorrer de cinco, , ou cinquenta visitas, no espaço de uma semana, durante a qual vi com meus próprios olhos a magnitude da máquina bélica alemã, fui ostensivamente recebido pelo marechal Goring e cerimoniosamente condecorado em nome do Fuhrer, manifestando de modo inequivocamente elevado todo meu apreço por Hitler , dizendo que a Alemanha nazista era a ''nação mais interessante do mundo '' e que seu líder era inquestionavelmente um ''grande homem ''. E todo meu interesse e admiração agravavam meu quadro, pois tinham sido manifestados depois que as leis raciais aprovadas por Hitler em 1935 privaram os judeus de toda a Alemanha de seus direitos civis, sociais e de propriedade, cancelando sua cidadania e proibindo casamentos com arianos. Meu nome civil, por exemplo, passara a provocar indignação na mídia liberal americana pela virulência dos meus hebdomadários de extrema-direita que constantemente faziam menção à Kristallnacht : paixões incríveis suscitadas por sinagogas incendiadas , residências e propriedade e vidas de judeus destruídas e, no decorrer de toda uma noite que foi um presságio do futuro mais monstruoso possível , milhares de judeus retirados à força e suas casas e transportados para campos de concentração. Na medida em que eu era capaz de interferir com impacto real na sociedade americana, o sonho médio dos cidadãos comuns foi sendo gradativamente transformado num torvelinho, um esparrame, um caos deixado pelos meus entreveros com Assopradores Divinos e a mídia liberal .Assim, a tarefa de criar um sonho claro para nossos clientes passou a requerer de mim uma atenção cada vez mais especial , pois diariamente eu era pressionado em todos os canais de televisão da América a voltar no Tempo de novo e devolver a cruz de ouro enfeitada com quatro suásticas que me fora concedida em nome do Fuhrer na última visita. Eu, obviamente, me recusava terminantemente a fazê-lo, argumentando que voltar lá e devolver publicamente a Medalha da Cruz de Serviço da Águia Alemã concedida a mim pelo marechal Goring seria um ''insulto desnecessário'' à liderança nazi. Talvez em função disto, fui transformado no primeiro americano vivo que muitos filhos de imigrantes aprenderam a odiar. Como já havia observado antes , o Grande K. não costumava incentivar aventuras oníricas com crianças. E a leitora atenta estará lembrada que, quando a família Hitler se mudou de Passou, logo fui instruído a deixar de prestar atenção no pequeno Adolf, um dos nossos experimentos mais bem sucedidos até hoje. Naquele tempo, assim como estamos fazendo agora, ele fôra monitorado por uma equipe bem vasta de nossos assistentes mais qualificados. Na adolescência, passei a entrar em seus sonhos para sondar seu fascínio pela arte e a filosofia, e as informações colhidos mostraram-se ''terrivelmente adequadas ''. Assim como estamos fazendo agora, naquela ocasião o Grande K. também ordenou-me que gravasse naquele jovem cérebro uma ''idéia permanente'' , e o ato em si da gravação não demorou mais que alguns minutos de sonho lúcido. Gravar, repito, foi a ''palavra-chave'' usada pelo Grande K. na ocasião. Pois, segundo ele, uma idéia fixa, uma vez instalada com sucesso, pode ligar estreitamente um cliente a nós pelo resto da vida, embora isto não seja uma prática acessível a qualquer tipo de demônio. Deve ser realizada com golpes incisivos, habilidade, sem exagero, mas com firmeza.
K.M.
K.M.
sábado, 28 de janeiro de 2017
EPISÓDIOS NOTURNOS
Antes que pudesse dizer alguma coisa , meu Pequeno K. já lhe havia instalado a semente ainda silenciosa daquele sonho . O sonho que instalei em seu sono foi na noite de sábado para domingo , em resposta a uma ordem direta do Grande K. Acrescentarei, no entanto, que criar um sonho, em especial um que não tenha conexão com a experiência anterior de quem o sonha, não é algo rotineiro nem para o Grande, nem para o Pequeno K. Embora possamos, em ocasiões especiais inserir roteiros inteiros no sono de nossos clientes , é também verdade que sonhos produzidos ex nihilo causam sérios danos ao nosso ''orçamento onírico'' . Exigem certamente dispêndios desproporcionais de Tempo. E Tempo é o que menos temos aqui. Ademais, quando o cliente é mais velho , não há muitos riscos presentes. Os ''Assopradores do Divino'' , eventualmente envolvidos com o cliente , podem ser mais do que importunos se perceberem o que estamos tentando, por isso a velocidade torna-se a medida do sucesso. As delicadas manipulações calculadas para alterar as reações futuras na psique de um indivíduo não devem ser empreendidas em condições de campo de batalha, por isso antecedência também é velocidade. Poucas pessoas prosperam a partir de um pesadelo , e minha experiência me diz que a instalação de sonhos tão intensos quanto visões noturnas podem provocar muitos efeitos desejados, mas o sucesso é melhor quando se pode avançar por pequenos passos ao longo de muitas noites seguidas, a fim de não despertar os Assopradores. Pode ter certeza de que os anjos reagem com fúria a qualquer sonho que iniciemos, e isso é verdade desde o começo da existência humana. O Grande K. julga que é fundamental para Ele comandar todos os sonhos de todos os indivíduos. Na busca de controle sobre os primatas que estavam em vias de transformarem-se em humanos, o Grande K. inseriu alucinações nos sonhos deles e isso foi essencial para o desenvolvimento da linguagem. Acelerou muito o processo .. Hoje, no entanto, os comandos dos Quatro Ks raramente podem ser entregues de forma direta. Em vez disso, o episódio noturno moderno propicia a quem dorme um indício de perturbações vindouras. Silêncios que são apenas véus instantâneos , superficiais, no fundo somente retendo milhares de lembranças misturadas de forma caótica para dilacerar as ''interferências'' inúteis. Por exemplo : se é provável que um amigo de confiança vá se revelar traiçoeiro no futuro próximo , um sonho pode alertar a pessoa para essa possibilidade .Por outro lado, se é o sonhador que está prestes a trair um amigo , as consequências desse ato podem ser dramatizadas por meio de um roteiro imaginário. Desse modo, o Grande K. encontrou um meio de guiar alguns de Seus seres humanos. As situações simuladas criadas pelo sonho podem não ser totalmente compreensíveis , mas testam drasticamente a capacidade do indivíduo de suportar uma ansiedade intensa. Mesmo quando um sonho é completamente interpretado , o sujeito retém uma certa consciência nublada de como ele possui menos coragem, menos lealdade , menos devoção, menos amor, ou menos saúde do que supunha anteriormente...
K.M.
K.M.
Nous t'affirmons, méthode ! (A. Rimbaud)
Ô mon
Bien ! Ô mon
Beau !
Fanfare atroce où je ne trébuche point ! chevalet féerique !
Hourra pour l'œuvre inouïe et pour le corps merveilleux, pour la première fois !
Cela commença sous les rires des enfants, cela finira par eux.
Ce poison va rester dans toutes nos veines même quand, la fanfare tournant, nous serons rendus à l'ancienne inharmonie.
O maintenant, nous si digne de ces tortures ! rassemblons fervemment cette promesse surhumaine faite à notre corps et à notre âme créés : cette promesse, cette
démence !
L'élégance, la science, la violence !
On nous a promis d'enterrer dans l'ombre l'arbre du bien et du mal, de déporter les honnêtetés tyranniques, afin que nous amenions notre très pur amour.
Cela commença par quelques dégoûts et cela finit, — ne pouvant nous saisir sur-le-champ de cette éternité, — cela finit par une débandade de
parfums.
Rire des enfants, discrétion des esclaves, austérité des vierges, horreur des figures et des objets d'ici, sacrés soyez-vous par le souvenir de cette veille.
Cela commençait par toute la rustrerie, voici que cela finit par des anges de flamme et de glace.
Petite veille d'ivresse, sainte ! quand ce ne serait que pour le masque dont tu nous as gratifié.
Nous t'affirmons, méthode !
Nous n'oublions pas que tu as glorifié hier chacun de nos âges.
Nous avons foi au poison.
Nous savons donner notre vie tout entière tous
les jours.
Bien ! Ô mon
Beau !
Fanfare atroce où je ne trébuche point ! chevalet féerique !
Hourra pour l'œuvre inouïe et pour le corps merveilleux, pour la première fois !
Cela commença sous les rires des enfants, cela finira par eux.
Ce poison va rester dans toutes nos veines même quand, la fanfare tournant, nous serons rendus à l'ancienne inharmonie.
O maintenant, nous si digne de ces tortures ! rassemblons fervemment cette promesse surhumaine faite à notre corps et à notre âme créés : cette promesse, cette
démence !
L'élégance, la science, la violence !
On nous a promis d'enterrer dans l'ombre l'arbre du bien et du mal, de déporter les honnêtetés tyranniques, afin que nous amenions notre très pur amour.
Cela commença par quelques dégoûts et cela finit, — ne pouvant nous saisir sur-le-champ de cette éternité, — cela finit par une débandade de
parfums.
Rire des enfants, discrétion des esclaves, austérité des vierges, horreur des figures et des objets d'ici, sacrés soyez-vous par le souvenir de cette veille.
Cela commençait par toute la rustrerie, voici que cela finit par des anges de flamme et de glace.
Petite veille d'ivresse, sainte ! quand ce ne serait que pour le masque dont tu nous as gratifié.
Nous t'affirmons, méthode !
Nous n'oublions pas que tu as glorifié hier chacun de nos âges.
Nous avons foi au poison.
Nous savons donner notre vie tout entière tous
les jours.
Como ele sabe arrumar bem as coisas (!)
Será que um dia realmente existiu um Mr. K ?? Muitas das duquesas que se atrasavam, não encontrando mais naquela casa as extravagâncias que já conheciam e outras que apenas imaginavam , desforravam-se, à falta de coisa melhor , estourando em risos doidos ante os quadros de K. ; quanto ao resto, que elas achavam mais conforme do que haviam pensado ao que já conheciam , atribuíam ainda tudo à K. , dizendo : ----- Como ele sabe arrumar bem as coisas (!) Se ele montasse uma féerie numa praia ou numa arena de circo , o espetáculo não ficaria menos encantador (.) ----
K.M.
K.M.
Impressões.
Sem dúvida eu advinhara o pensamento, os pedidos e o s convites de antemão, e também as palavras, e mesmo os desvios de cada olhar , que se foram tornando silenciosos e sem finalidade, e com a fisionomia distraída e vaga de que eram acompanhados, tão reveladores como outrora sua magnetização. Muito bem : mas não me era mais possível censurá-los ou dirigir-lhes perguntas a propósito de coisas que ela teria declarado serem tão ínfimas , tão insignificantes para nossa relação , que eu as conservava na memória só pelo prazer de ''esmiuçar '' . E citando Buchanan : ''Ao perceber que os interesses dos Estados Unidos estarão mais garantidos em vossas mãos que em outras '', e que : ''Ministros do 'Exterior' devem andar acompanhados de quatro cavalos e um postilhão '', pois '' ...os ingleses se cansaram da própria constituição e os franceses permanecem um 'povo singular '' , mas frágil ; e falando do sistema bancário poderia supor ainda a quantidade inverossímil de homens que se diminuem diante do valor material da União... nec Templum aedificavit , nec restituit rem , mas que ''não era culpa de ninguém qualquer visão pequena ''. Anch ´io sono antichitá . Sacrifício da usura ?? Em qualquer tipo de juízo estético, o ser-para-si tem como objeto o seu ser-para-si, mas como absolutamente Outro; ele se torna uma pura dilaceração, ausência de fundamento que deriva infinitamente sobre o oceano da forma sem poder jamais alcançar terra firme. E nesse abismo inquietante nossa apreensão estética torna-se nosso único fundamento. Acabamos por nos assemelhar ao Grande Inquisidor do poema de Ivan Karamazov. Em todos os nadas incluídos no nosso olhar, provados por ele, ou por tal ou qual contradição em nossas palavras, é sempre um puzzle feito de pedaços que vêm de onde menos se espera que nos faz girar cansativamente em torno de uma dimensão minimamente familiar. ----- Uma fala de Na Khi feita do ruído vento (.) -----, ela disse. Mas quando o jovem palhaço estava vendendo seus truques ao velho palhaço, o ar do quarto se tornou de tal maneira pesado que o jovem K. exonerou-se do F.O. e foi para a City de Londres tentar obter ''controles de saídas'' a fim de manter baixa a qualidade de suas...''impressões''. Uma vez lá, foi obrigado a ouvir : -----Será que ele não está um tanto em contradição com seu próprio impressionismo (?) , quando retira assim esses monumentos da impressão global em que estão situados, leva-os para fora da luz onde estão dissolvidos e examina seu valor intrínseco feito um arqueólogo (?) ------
K.M.
K.M.
sexta-feira, 27 de janeiro de 2017
Certains ciels ont affiné mon optique .
Quaisquer que sejam os dilemas do poeta, eles sempre são consolados nele depois, superados com mágica e conhecimento ----- ainda que percam algo no processo ---- e pela alegria de suas fabricações. Então, tanto quanto pela identidade que ele nota entre , por exemplo, uma frase de Rimbaud ''Enfant, certains ciels ont affiné mon optique '' e um contraponto perfeito de Liszt , sente-se ele (imediatamente) perturbado por essa sublime habilidade vulcânica. Exatamente aquela habilidade que , nos grandes artistas , sempre lhes conferiu a ilusão (também sublime) de uma originalidade intrínseca, irredutível, intransigente e aparentemente um reflexo de uma realidade mais que humana, e que é (de fato) produto de um labor industrioso perfeito . Eu continuava a tocar minhas rapsódias, com a inflexão eterna dos momentos e os infinitos das matemáticas me perseguindo por este mundo no qual experimentei todos os êxitos civis , respeitado pela infância estranha e por afeições enormes .Convidava os outros a partilhar comigo minha alegria, ouvindo redobrar meu riso imortalmente jovem e as marteladas de Liszt, em quem, aliás ,mais maravilhosamente marcadas eram as frases de Rimbaud '' Je songe à une guerre, de droit ou de force, de logique bien imprévue. C'est aussi simple qu'une phrase musicale '' ----- a habilidade técnica de um arquiteto só servindo para fazê-las mais livremente deixarem a terra , pássaros idênticos não ao cisne de Lohengrin, mas àquele avião a jato que eu vira no céu de tarde, da piscina do prédio , mudando sua energia em elevação, planando acima das ondas do mar azul e perdendo-se céu adentro . Talvez, como as aves que mais alto sobem , que voam mais depressa , que têm as asas mais possantes, fossem necessários (para a maioria das pessoas sem inclinação espiritual ) aparelhos realmente materiais para se explorar o infinito ---- esses 700 cavalos que são a marca dos Mistérios Iniciáticos ----- , nos quais entretanto, por mais alto que voassem , fossem os passageiros impedidos de desfrutar os vários Édens do silêncio cósmico devido ao potente ronco do motor.
K.M.
K.M.
Poema do nadador (Jorge de Lima)
A água é falsa, a água é boa.
Nada, nadador!
A água é mansa, a água é doida,
aqui é fria, ali é morna,
a água e fêmea.
Nada, nadador!
A água sobe, a água desce,
a água é mansa, a água é doida.
Nada, nadador!
A água te lambe, a água te abraça
a água te leva, a água te mata.
Nada, nadador!
Senão, que restara de ti, nadador?
Nada, nadador.
Nada, nadador!
A água é mansa, a água é doida,
aqui é fria, ali é morna,
a água e fêmea.
Nada, nadador!
A água sobe, a água desce,
a água é mansa, a água é doida.
Nada, nadador!
A água te lambe, a água te abraça
a água te leva, a água te mata.
Nada, nadador!
Senão, que restara de ti, nadador?
Nada, nadador.
Uma espéie de Missa Negra.
O exercício do juízo estético (no entanto ) traz na sua atividade obscura, contradições lá da sua origem : onde quer que um crítico encontra a Arte , ele sempre a reconduz ao seu oposto, dissolvendo-a em sua Sombra ; onde quer que ele exercite sua reflexão e sua discricionariedade , traz o Não Ser e a Sombra , como se para adorar a Arte não tivesse outro meio senão celebrar uma espécie de Missa Negra ao Deus Inversus da Sombra da Arte.
K.M.
K.M.
Obras póstumas publicadas em vida ...
Em uma das ''Considerações Inamistosas '' recolhidas por R. Musil no volume Nachlass zu Lebzeiten (que traduziríamos jocosamente por Obras Póstumas publicadas em Vida) , ele tinha se colocado a pergunta (igualmente jocosa) : ''Se o K. , acrescido de uma e depois de duas dimensões, não havia se tornado ainda mais insuportável e cada vez menos K. , e , procurando, através de um curioso, quiçá hermético cálculo matemático , descobrir a relação entre o K. e a Arte , chegando a indefectível conclusão de que os dois eram exatamente a mesma coisa . Depois que o juízo estético nos ensinou a distinguir a Arte de sua Sombra e a autenticidade da inautenticidade, nossa experiência começou a nos colocar , porém , frente à embaraçosa verdade segundo à qual é exatamente à Sombra da Arte que devemos hoje as nossas mais originais emoções estéticas. Ora.. quem não conheceu ao menos uma vez, frente ao K. , uma sensação prazerosa e libertadora , afirmando - --- contra toda sugestão do seu gosto crítico ---- : Este objeto é esteticamente feio e, todavia , me apraz , me excita e me comove profundamente '' (?) , Dir-se-ia que toda a vasta zona do mundo externo e da nossa sensibilidade que o juízo crítico jogara no limbo da Sombra da Arte começou a adquirir consciência da própria necessidade e da própria função dialética e, rebelando-se da tirania do ''bom gosto '' , se apresentou exigindo seus direitos.
K.M.
K.M.
quinta-feira, 26 de janeiro de 2017
''O QUE É ESSA COISA QUE É '' (?)
A arte não é mais , para o homem moderno , a aparição concreta do divino, que deixa a alma capturada pelo êxtase ou o temor sagrado (Ah não !) , mas uma ocasião para colocar em movimento seu gosto crítico , aquele juízo sobre a arte que , se não tem para nós verdadeiramente, de algum modo , mais valor que a arte mesma, responde porém a uma necessidade pelo menos igualmente essencial ; é inclusive bastante provável que essa misteriosa variedade de reflexo condicionado ,com sua pergunta sobre o ''ser '' ou ''não ser'' da arte , não seja senão um aspecto de uma atitude muito mais geral que o homem ocidental, desde seu exórdio grego , adotou quase constantemente frente ao mundo que o circundava, perguntando-se a cada vez ''O QUE É ESSA COISA QUE É '' (?) , procurando distingui-la por aquilo que ela não é.
Depois de Kant e Nietzsche, a cada vez que o juízo estético tenta determinar o que é o BELO , ele tem nas mãos não o belo em si, mas sua SOMBRA , como se o seu verdadeiro objeto fosse não tanto aquilo que a arte é , mas aquilo que ela não é... não exatamente como uma coisa fria (como dizia Griffith : ''Ora, não se pode movê-la ?) Ut delectet , nem lendo grego m segredo. Livre inclusive da presunção colossal de Hegel. Mas como Erlebniz, vivência...
Semelhante (poderia continuar, mas não vou porque já é tarde) a uma complexa e e articulada teologia negativa, buscando onde quer que seja contornar o incontornável , envolvendo-nos em nossa própria sombra , com um procedimento que recorda o ''ISSO NÃO , ISSO NÃO '', dos Vedas ; e, presos nessa laboriosa edificação do NADA, não nos damos mais conta de que a arte se tornou (nesse ínterim ) , um planeta que volta para nós apenas sua face obscura, e que o juízo estético não é propriamente senão o LOGOS , a reunião da ARTE e sua SOMBRA . E é justamente essa arte, digamos , uma pura sombra , que reina como valor supremo sobre o horizonte da Terra Aesthetica ; e é muito provável que não possamos sair desse horizonte até que tenhamos nos interrogado sobre o fundamento de todo juízo estético.
K.M.
Depois de Kant e Nietzsche, a cada vez que o juízo estético tenta determinar o que é o BELO , ele tem nas mãos não o belo em si, mas sua SOMBRA , como se o seu verdadeiro objeto fosse não tanto aquilo que a arte é , mas aquilo que ela não é... não exatamente como uma coisa fria (como dizia Griffith : ''Ora, não se pode movê-la ?) Ut delectet , nem lendo grego m segredo. Livre inclusive da presunção colossal de Hegel. Mas como Erlebniz, vivência...
Semelhante (poderia continuar, mas não vou porque já é tarde) a uma complexa e e articulada teologia negativa, buscando onde quer que seja contornar o incontornável , envolvendo-nos em nossa própria sombra , com um procedimento que recorda o ''ISSO NÃO , ISSO NÃO '', dos Vedas ; e, presos nessa laboriosa edificação do NADA, não nos damos mais conta de que a arte se tornou (nesse ínterim ) , um planeta que volta para nós apenas sua face obscura, e que o juízo estético não é propriamente senão o LOGOS , a reunião da ARTE e sua SOMBRA . E é justamente essa arte, digamos , uma pura sombra , que reina como valor supremo sobre o horizonte da Terra Aesthetica ; e é muito provável que não possamos sair desse horizonte até que tenhamos nos interrogado sobre o fundamento de todo juízo estético.
K.M.
A França, após Talleyrand, iniciou uma guerra na Europa.
Instrução monetária, sem a qual a perda da liberdade é consequente.
Cunicoli, canallesque e o povo (MIN) comia caelum renovabat.
Vieram os manes. Molta monellerìa, birichinata; fatto un ´altra delle sue monellerie.
Protocolo Jan. 1831 : perpetuamente neutro, mas tentando
(T.C.P.)
50 anos depois manter uma parte do investimento sem lucro etc...
em circulação qual moeda. Mercado tranquilo, sem interesse para os corretores.
A França, após Talleyrand, iniciou uma guerra na Europa.
Casimir recolocou Napoleão em sua Coluna (12 de abril ,
Journal des Débats, 1831 ) . Quem mais estava lá ?
On pouvait manger. Europa exaurida pela conquista da Alsácia-Lorena.
Que eu me lembre não havia essa coisa de opinião pública.
1831, no Estado de Nova York : que os devedores não sejam presos .
''Último superior FORA de seu gabinete ''.
John Quin re / saída de Lansing .
E às três da manhã ...
nosso ex-parceiro
''já era o Secretário de Estado''.
Cunicoli, canallesque e o povo (MIN) comia caelum renovabat.
Vieram os manes. Molta monellerìa, birichinata; fatto un ´altra delle sue monellerie.
Protocolo Jan. 1831 : perpetuamente neutro, mas tentando
(T.C.P.)
50 anos depois manter uma parte do investimento sem lucro etc...
em circulação qual moeda. Mercado tranquilo, sem interesse para os corretores.
A França, após Talleyrand, iniciou uma guerra na Europa.
Casimir recolocou Napoleão em sua Coluna (12 de abril ,
Journal des Débats, 1831 ) . Quem mais estava lá ?
On pouvait manger. Europa exaurida pela conquista da Alsácia-Lorena.
Que eu me lembre não havia essa coisa de opinião pública.
1831, no Estado de Nova York : que os devedores não sejam presos .
''Último superior FORA de seu gabinete ''.
John Quin re / saída de Lansing .
E às três da manhã ...
nosso ex-parceiro
''já era o Secretário de Estado''.
Solde (A. Rimbaud)
À vendre ce que les
Juifs n'ont pas vendu, ce que noblesse ni crime n'ont goûté, ce qu'ignorent l'amour maudit et la probité infernale des masses : ce que le temps ni la science n'ont pas à
reconnaître :
Les
Voix reconstituées ; l'éveil fraternel de toutes les énergies chorales et orchestrales et leurs applications instantanées ; l'occasion, unique, de dégager nos sens
!
À vendre les
Corps sans prix, hors de toute race, de tout monde, de tout sexe, de toute descendance !
Les richesses jaillissant à chaque démarche !
Solde de diamants sans contrôle !
À vendre l'anarchie pour les masses ; la satisfaction irrépressible pour les amateurs supérieurs ; la mort atroce pour les fidèles et les amants !
À vendre les habitations et les migrations, sports, féeries et comforts parfaits, et le bruit, le mouvement et l'avenir qu'ils font !
À vendre les applications de calcul et les sauts d'harmonie inouïs.
Les trouvailles et les termes non soupçonnés, possession immédiate,
Élan insensé et infini aux splendeurs invisibles, aux délices insensibles, — et ses secrets affolants pour chaque vice — et sa gaîté effrayante pour la
foule —.
À vendre les
Corps, les voix, l'immense opulence inquestionnable, ce qu'on ne vendra jamais.
Les vendeurs ne sont pas à bout de solde !
Les voyageurs n ont pas a rendre leur commission de si tôt !
Juifs n'ont pas vendu, ce que noblesse ni crime n'ont goûté, ce qu'ignorent l'amour maudit et la probité infernale des masses : ce que le temps ni la science n'ont pas à
reconnaître :
Les
Voix reconstituées ; l'éveil fraternel de toutes les énergies chorales et orchestrales et leurs applications instantanées ; l'occasion, unique, de dégager nos sens
!
À vendre les
Corps sans prix, hors de toute race, de tout monde, de tout sexe, de toute descendance !
Les richesses jaillissant à chaque démarche !
Solde de diamants sans contrôle !
À vendre l'anarchie pour les masses ; la satisfaction irrépressible pour les amateurs supérieurs ; la mort atroce pour les fidèles et les amants !
À vendre les habitations et les migrations, sports, féeries et comforts parfaits, et le bruit, le mouvement et l'avenir qu'ils font !
À vendre les applications de calcul et les sauts d'harmonie inouïs.
Les trouvailles et les termes non soupçonnés, possession immédiate,
Élan insensé et infini aux splendeurs invisibles, aux délices insensibles, — et ses secrets affolants pour chaque vice — et sa gaîté effrayante pour la
foule —.
À vendre les
Corps, les voix, l'immense opulence inquestionnable, ce qu'on ne vendra jamais.
Les vendeurs ne sont pas à bout de solde !
Les voyageurs n ont pas a rendre leur commission de si tôt !
Point de perfection...
Em torno da metade do século XVII , aparece na sociedade européia a figura do ''homem de gosto '' , isto é , do homem que é dotado de uma faculdade muito rara e particular , quase de um ''sexto sentido'' ---- como inclusive se começou a dizer então ---- que lhe permite colher o ''point de perfection '' característico a toda obra de arte . Os ''caracteres'' , de La Bruyére , registram a aparição de tais personagens como um fato doravante familiar ; o que torna ainda mais difícil , para um ouvido moderno , perceber o que haveria de insólito nos termos com os quais é apresentado esse desconcertante protótipo do homem estético ocidental . ''Il y a dans l ´art '' , escre La Bruyére , ''un point de perfection , come de bonté ou de maturité dans la nature : celui qui le sent et qui l ´aime a le goût parfait ; celui qui ne le sent pas , et qui aime au deçà ou au delà , a le goût défectueux . Il y a donc un bon et un mauvais goût , et l ´on dispute des goût avec fondement ''.
Para se alcançar a dimensão correta dessa figura , é necessário dar-se conta de que , ainda no século XVI , não existia uma clara demarcação entre bom e mau gosto , e que interrogar-se , diante de um obra de arte , sobre o correto modo de entendê-la , não era uma experiência familiar nem mesmo para os refinados comitentes de Rafael ou de Michelangelo . A sensibilidade daquele tempo não fazia grande diferença entre as obras de arte sacra e os bonecos mecânicos , os ''engins d´esbatement'' e os colossais ornamentos centrais de mesas de banquete , repletos de autômatos e de personagens vivos , que deviam alegras as festas dos reis e príncipes e dos pontífices.
Os mesmo artistas que nós admiramos hoje pelos seus afrescos e obras-primas arquitetônicas se dedicavam também a trabalhos meramente decorativos de todo gênero , e à elaboração de projetos de mecanismos como aquele inventado por Brunelleschi , que representava a esfera celeste ,circundada por duas fileiras de anjos , da qual um autômato ( o arcanjo Gabriel) voava suspenso sustentado por uma máquina com a forma de amêndoa ou como os aparelhos mecânicos, restaurados e pintados por Melchior Broedernan, com os quais se borrifavam água e pó sobre os hóspedes de Filipe, O Bom. A nossa sensibilidade estética fica sabendo (ainda) com horror que no castelo de Hesdin havia uma sala decorada com estória de Jasão , na qual, para obter um efeito mais realístico, foram instalados mecanismos que produziam o raio, o trovão , a neve e a tempestade , além de imitar os encantamentos de Medeia.
K.M.
Para se alcançar a dimensão correta dessa figura , é necessário dar-se conta de que , ainda no século XVI , não existia uma clara demarcação entre bom e mau gosto , e que interrogar-se , diante de um obra de arte , sobre o correto modo de entendê-la , não era uma experiência familiar nem mesmo para os refinados comitentes de Rafael ou de Michelangelo . A sensibilidade daquele tempo não fazia grande diferença entre as obras de arte sacra e os bonecos mecânicos , os ''engins d´esbatement'' e os colossais ornamentos centrais de mesas de banquete , repletos de autômatos e de personagens vivos , que deviam alegras as festas dos reis e príncipes e dos pontífices.
Os mesmo artistas que nós admiramos hoje pelos seus afrescos e obras-primas arquitetônicas se dedicavam também a trabalhos meramente decorativos de todo gênero , e à elaboração de projetos de mecanismos como aquele inventado por Brunelleschi , que representava a esfera celeste ,circundada por duas fileiras de anjos , da qual um autômato ( o arcanjo Gabriel) voava suspenso sustentado por uma máquina com a forma de amêndoa ou como os aparelhos mecânicos, restaurados e pintados por Melchior Broedernan, com os quais se borrifavam água e pó sobre os hóspedes de Filipe, O Bom. A nossa sensibilidade estética fica sabendo (ainda) com horror que no castelo de Hesdin havia uma sala decorada com estória de Jasão , na qual, para obter um efeito mais realístico, foram instalados mecanismos que produziam o raio, o trovão , a neve e a tempestade , além de imitar os encantamentos de Medeia.
K.M.
Unidade ulterior, não artificial
O músico que me deslumbrava no momento era Brahms , e tirando de suas sinfonias algumas passagens deliciosas para fazerem entrar como tema retrospectivamente necessário em uma obra na qual não pensava no momento em que a compusera e, depois , tendo composto uma primeira obra mitológica , depois uma segunda e ainda uma terceira e um quarta , e de súbito percebendo que acabara de produzir uma Tetralogia , devo ter sentido um pouco daquela mesma embriaguez que, por exemplo , Balzac, quando este , lançando a suas obras um olhar a um tempo de estranho e de um pai, achando em alguns capítulo de meu vasto romance a pureza de um Rafael , e em outro a simplicidade do Evangelho , reparei bruscamente , ao lançar sobre eles uma iluminação retrospectiva , que ficariam mais belos reunidos num ciclo em que as mesmas personagens reaparecessem e acrescentassem à obra inteira, nesse ajustamento, a pincelada final , derradeira e sublime, Unidade ulterior, não artificial. Ou tudo ficaria reduzido à pó como tantas sistematizações de escritores medíocres que, com grande esforço de títulos e subtítulos, desejam parecer que se deram ao esforço de perseguir um só e transcendente desígnio. Não fictícia , talvez mais real até por ser ulterior , por ter nascido de um momento de entusiasmo em que é descoberta entre pedaços que só precisam se reunir , numa unidade que até então se ignorava, portanto vital e não lógica , que não proscreveu a variedade nem ressecou a execução . Ela é (mas desta vez aplicando-se ao conjunto ) como determinado trecho composto à parte, nascida de uma inspiração muito particular, e não exigida pelo desenvolvimento artificial de uma tese, e que vem integrar-se ao resto.
K.M.
K.M.
Cadência de músico.
Sem nos determos naquele que viu em seus romances e contos, depois de concluídos , uma Comédia Humana, nem naqueles que a poemas e ensaios inconjuntos denominaram A Lenda dos Séculos e a Bíblia da Humanidade, não podemos no entanto dizer que este último encarna tão bem o século XIX , que as maiores belezas de Michelet devemos procurá-las menos na sua própria obra que nas atitudes que ele assume em face da mesma , não na sua História da França , ou a sua História da Revolução , mas em seus prefácios a esses dois livros ?? Prefácios , ou seja, páginas escritas depois dos livros , onde ele os examina , e às quais convém acrescentar , aqui e ali , algumas frases , começando de hábito por um ''Devo dizê-lo ?" , que não é uma cautela de sábio , mas uma cadência de músico.
K.M.
K.M.
Canhões dissimulados sob flores
Seria
o Kalachakra Hotel (?) Não me lembro mais; de qualquer forma, era na
Avenida Rio Branco, às nove horas, sob o sol da manhã, e eu estava
hospedado no Hilton... era uma fronteira e havia ainda, na minha mente,
todo um drama literário que subsequentemente inundou Juiz de Fora com as
tonalidades de Nova York. As estrelas do palco flanavam para dentro e
para fora de minhas pálpebras fechadas: Barbara, Berman, Melissa,
Betty... algumas de vestidos compridos, outros decotados; depois,
algumas lembranças mórbidas na West 9 th, outras defumadas como presunto
de parma; algumas desafiadoras, muitas picantes, mas todas igualmente
posando, gesticulando, declamando , todas tentando jogar a outra para
fora do palco, como uma míríade de vozes e eus que devia ser controlada a
qualquer custo. Penso no trabalho de recapitulação tolteca de Carlos
Castaneda; no minuto liberado do tempo de Proust; na 'ruptura de nível
da consciência. Vou até a janela do quarto e vejo o footing na avenida
lá embaixo lagarteando até a Rua Halfeld: os fundadores da cidade são
alemães e a música, naturalmente, é muito obedecida em Juiz de Fora. Eu
mesmo aprendi a tocar piano aqui, pianino, de ouvido: nesta parte do
mapa um exército de pianistas e subpianistas (como eu), meninos e
meninas, adolescentes machucando-se os dedos, deformam nosso Chopin há
mais de 100 anos, na tentativa de suprimir o tempo: instruído na leitura
das ''Mazurcas'', posso afirmar : ----- São canhões dissimulados sob
flores (.) ------, e pela geometria dos ''Estudos'', a previsão óbvia de
Debussy, Ravel, Bartók. O loplop instalou-se para sempre nos meus
dedos.
Certas epifanias de negócios.
------
O plágio, doutora, não existe (: é só uma tonalidade que se empresta à
vida (: sou apenas um glutão mimético como estes pássaros poliglotas que
sabem contra-fazer todos os cantos para extrair a síntese suprema da
própria garganta. Devoro todos os livros enquanto a humanidade brinca de
asneiras nas redes sociais: pego tudo que passa sob meus olhos desde os
doze anos de idade, coloco adiante como um degrau(: neste exato
momento, enquanto você me ouve falar, eu me alinho sinistramente à sua
postura, avalio a incidência da luz no quarto, a sua maneira de me
escutar, seu comportamento, seu temperamento: me pergunto em que livro
você poderia estar .. posso continuar falando indefinidamente , enquanto
eu quiser te ter nesta indefesa disposição de espírito(: isso é mais
forte do que eu, sou uma águia ávida por desposar todos os contornos do
céu (: conhece aquela história do camaleão que se instala no cobertor
escocês (?) ------, eu me perguntava se aquele não seria exatamente o
ruído do desenvolvimento de meu personagem que agora continuava na
espiral infinita, e este roçagar, o roçagar de sua incerta
multiplicidade... da minha derradeira figura separada do personagem por
uma membrana aracnídea, extremamente difícil de ser visualizada. ---- Alguns
segundos mais tarde (eu disse à Julia ) o camaleão explode, não sabendo
mais escolher entre as cores (: minha população sorridente e colorida
estende-se então à terceira ou quarta geração de personagens, mais real,
mais presente do que as cartas e telefonemas mais intermitentes - certas epifanias de negócios (
Apenas colhendo alguns frutos.
Ia
às bibliotecas e anotava num caderno boa provisão de cenas, metáforas.
Separava os materiais por temas: brilho do luar, brigas, assassinatos,
manhãs de primavera, dias de chuva, amantes que se abraçam, etc.. Punha
tudo isso no computador e a partir desse pot-pourri eu tirava novas
harmonias. Eu não estava roubando a plantação, apenas colhendo alguns
frutos: quando em nível microscópico, a fraude não pode ser detectada.
A estrela nacarada de uma nebulosa ciência oculta.
...olhando-a de --- não,
gradual pressão daquilo que não se percebia, embora não explicasse a
evasão certa num intervalo... que tipo de ternura, ó criança (eu me
perguntava mais tarde: que palavras inesperadamente sábias ou amistosas,
que bater de asas voltariam a alcançar meu coração escondido daquele
anjo, distante da minha selva, da minha raça, do meu céu (?), não foi
difícil que meditando no hálito que havia roçado por ela, eu baixasse
meus braços (alguma dúvida última: de passagem, agitando minha próprias
asas; mas a fricção familiar e contínua de uma idade superior me tornava
terrivelmente pensativo, com as mãos nos bolsos da calça jeans,
chutando distraidamente alguma pedrinha pela Avenida Oceânica... rimo
aonde (?) a que solidões iniciáticas (?), das quais mais de um gênio foi
cioso de recolher toda a poeira secular em seu sepulcro, para mirar em
si mesmo aquele nojo pela literatura, que cada dia se repetia com mais
força em mim, e para que nenhuma suspeita remontasse ao fio aracnídeo;
para que a derradeira sombra se mirasse em meu próprio ser e
reconhecesse na turba de minhas aspirações a estrela nacarada de uma
nebulosa ciência oculta. Voltei a pensar em Nietzsche: ''Talvez se
pudesse chegar a escrever algo verdadeiro quando essa repugnância pelos
literatos e suas palavras moles chegasse a um grau irresistível;
repugnância de verdade, dessas que podem provocar um jato de vômito
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