Ia às bibliotecas e anotava num caderno boa provisão de cenas, metáforas. Separava os materiais por temas: brilho do luar, brigas, assassinatos, manhãs de primavera, dias de chuva, amantes que se abraçam, etc.. Punha tudo isso no computador e a partir desse pot-pourri eu tirava novas harmonias. Eu não estava roubando a plantação, apenas colhendo alguns frutos: quando em nível microscópico, a fraude não pode ser detectada. A voz de Julia estava cansada, coloquial, natural , levemente fanhosa como se estivesse resfriada; o cabelo loiro escuro comprido, com os anos adquiriu fios prateados quase invisíveis, intensificando seus estranhos traços de índia, não de índia verdadeira, mas da garota branca capturada e criada em tendas enfumaçadas; o rosto, ali nas montanhas de Juiz de Fora, tinha ficado mais duro e cinzelado, os lábios sem batom, mais finos, os olhos, mais opacos. A cor da pele, depois de um longo fim de semana na praia, comigo, estava mais do que bronzeado, com um fulgor facilmente absorvido pela pele. Era verdade que seu corpo estava mais largo, mas com seu antigo senso de elegância ela manipulava bem o novo peso enquanto eu explicava à ela minha teoria do plágio: ------ O plágio, doutora, não existe (: é só uma tonalidade que se empresta à vida (: sou apenas um glutão mimético como estes pássaros poliglotas que sabem contra-fazer todos os cantos para extrair a síntese suprema da própria garganta. Devoro todos os livros enquanto a humanidade brinca de asneiras nas redes sociais: pego tudo que passa sob meus olhos desde os doze anos de idade, coloco adiante como um degrau(: neste exato momento, enquanto você me ouve falar, eu me alinho sinistramente à sua postura, avalio a incidência da luz no quarto, a sua maneira de me escutar, seu comportamento, seu temperamento: me pergunto em que livro você poderia estar .. posso continuar falando indefinidamente , enquanto eu quiser te ter nesta indefesa disposição de espírito(: isso é mais forte do que eu, sou uma águia ávida por desposar todos os contornos do céu (: conhece aquela história do camaleão que se instala no cobertor escocês (?) ------, eu me perguntava se aquele não seria exatamente o ruído do desenvolvimento de meu personagem que agora continuava na espiral infinita, e este roçagar, o roçagar de sua incerta multiplicidade... da minha derradeira figura separada do personagem por uma membrana aracnídea, extremamente difícil de ser visualizada. ---- Alguns segundos mais tarde (eu disse à Julia ) o camaleão explode, não sabendo mais escolher entre as cores (: minha população sorridente e colorida estende-se então à terceira ou quarta geração de personagens, mais real, mais presente do que as cartas e telefonemas mais intermitentes - certas epifanias de negócios (
(cotinua)